quarta-feira, 22 de julho de 2009

SOBRE ROSAS E LEMBRANÇAS

Queridos,

estou sumida e vocês já devem saber o motivo. Além de estar um pouco sem tempo de escrever (por causa do trabalho), não quero ficar monotemática e só falar de saudade ou a coisas do tipo.

Ainda estou digerindo a perda e também ando meio preocupada com meus tios.

Vou falar um pouquinho sobre minha avó agora, mas pretendo que não vire um texto triste.

Vovó Cininha foi professora por muitos anos e nunca perdeu a pose e nem a maneira de falar dos professores de "antigamente" (aquela época em que esses profissionais eram respeitados, sabe?). A coroa fazia cada discurso (de improviso) que era brincadeira. Quem ouvia ficava babando com o que ela falava, com a facilidade de se comunicar.

Aprendi ser fã da minha avó com o tempo. É que ela era muito séria, muito reservada, meio fria até. E criança não gosta disso, né? Mas conforme fui crescendo, fui vendo que mulher inteligente, culta ela sempre foi. Passou por muito sacrifício na vida, mas sempre foi forte e digna.

Há uns 10 anos houve uma briga de família (afinal, só a bailarina não tem problema na família, né?) e eu me desentendi com minha tia . Claro que minha avó tomou as dores dela e ficou sem falar comigo (mãe é mãe). Mas de todos os muitos defeitos que tenho, guardar rancores não é um deles. Então, mesmo sem falar com minha tia ou com ela, nunca deixei de querer saber notícias. E muito menos as eliminei do meu coração.

Em 2004, liguei pra vovó Cininha. Senti uma necessidade imensa de voltar a ter contato com ela. É que sou muito apegada à família e minha sobrinha acabara de fazer 1 ano e eu queria ser um bom exemplo pra elazinha. Arh! Que exemplo horroroso eu seria se não falasse com minha avó, a matriarca.. Na minha cabeça passava a seguinte ideia: estou sendo hipócrita em falar que amo meu pai, afinal, estou há uns anos sem falar com a mãe dele. Estou sendo hipócrita em dizer que minha família é tudo pra mim, afinal estou sem falar com minha avó" Odeio hipocrisias e não tenho problemas em pedir desculpas. Então, numa noite de setembro, liguei pra ela. Disse o quanto ela era importante para mim e que qualquer mágoa era muito menor do que os laços que nos uniam. Além disso, herdei dela tantas características físicas... de certa forma, ao me olhar no espelho eu a veria sempre. Dona Cininha ficou feliz com isso, mas eu fiquei muito mais. Foi como se eu tivesse feito as pazes entre meus princípios e minhas atitudes.

Desde então eu sempre dava um jeitinho de fazer um agrado a ela, sendo que isso não tinha a nada a ver com ser melosa. Eram agrados "bobos", como imprimir uma poesia ou uma letra de música e mandar pelo correio, dar um telefonema. Coisinhas à toa, mas que a faziam se sentir querida.

Aos poucos me reaproximei da minha tia e vovó Cininha me falou que esse foi o maior presente que ela poderia receber. Lembro que falei assim "Vó, eu briguei com ela um dia. No outro dia já tinha passado. Assim como tenho você como exemplo de mulher forte, tenho ela como exemplo de tia que eu quero ser pras minhas sobrinhas".

Minha avó tinha 5 filhos e tenho relacionamentos diferentes com cada um deles. Meu padrinho é o mais velho e um dos com quem tenho mais afinidades. Ele mora em São Paulo há muitos anos mas não se desvituou: é Flamengo! E essa nossa paixão pelo mesmo time é uma das coisas que nos liga. Essa tia de quem já falei sempre foi aquela que dizia sim pra todos os sobrinhos. Era ela quem deixava a gente falar palavrão, comer fora de hora e essas coisas que "gente grande" não deixa. Quem tem uma tia assim sabe do que estou falando. Quem não tem deve esperar a próxima encarnação para saber como é bom.

Com os outros dois irmãos eu tenho um relacionamento normal, sem grandes afinidades ou diferenças. O elo entre eles 4 é meu pai: todos gostam muito dele. E isso me faz gostar de todos eles, afinal, tratou bem meu paizinho entrou logo no meu coração.

10 dias antes de morrer, ela me ligou. É que imprimi e encadei alguns textos que escrevi aqui e mandei pra ela, Queria que ela conhecesse um pouquinho das bobagens que escrevo, afinal, ela tinha tanto orgulho de dizer que sou formada em Letras... Olha, sem querer me gabar, Dona Cininha ficou com um orgulho danado de mim! Disse que já imaginava que eu escrevesse bem, mas que ficou surpresa com a qualidade dos textos. Aí me disse que os mostrava para todos que ia visitá-la. Pedi por favor que parasse de fazer isso, pois era uma coisa pra ela ler, pra passar o tempo. Mas vai convencer uma mulher de temperamento forte como o dela a fazer o que acha que é certo? Deve ter enchido a paciência de tanta gente ...

No enterro, falei umas palavras sobre ela. Nada que não soubessem , afinal, recebeu tantas homenagens em vida. Mas eu sei que ela gostaria de que um dos netos fizesse isso. Ela era uma mulher de discursos, de palavras. Desceu ao túmulo sob aplausos. E sei que era assim que ela gostaria de ser homenageada.

Ainda é estranho falar dela no passado. Mas fico feliz por tê-la tido como avó e sei que é preciso deixar que sua alma descanse.

A missa de Sétimo Dia foi hoje, na Igreja de Santa Rita, lá em Paraty. Não pude ir, mas o Jomar (sempre ele!) me mandou uma foto que me emocionou muito: no altar hávia várias flores brancas e uma única rosa vermelha. Retirada do jardim que ela cultivava com muito carinho.

Minha sobrinha Lara é apaixonada por rosas vermelhas. Eu tenho uma rosa, também, vermelha tatuada. Quem cultiva tantas boas lembranças nunca parte completamente, não é?

É isso. Foi por isso que andei sumidinha. Beijos.

6 comentários:

  1. Voce escreveu tão bonito que não sei o que dizer. só digo que as nossas vovós tem nas nossas lembranças tudo o que existe no mundo de mais belo e sublime.
    Eu amava a minha.
    Com amor Monica

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  2. Aline,
    Um abraço bem carinhoso, para você.
    As lembranças que ficaram da sua avó sempre estarão com você.

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  3. Aline querida
    o teu post me emocionou
    fiquei sem palavras, assim como a Mônica. E por isso, fui lá no Baú do Chico Buarque ver bem o que dizia a letra da Bailarina. Pensando bem,
    pesares quem não tem?
    Um abraço de urso [ ]


    BAILARINA /CHICO BUARQUE
    "Procurando bem
    Todo mundo tem pereba
    Marca de bexiga ou vacina
    E tem piriri, tem lombriga, tem ameba
    Só a bailarina que não tem
    E não tem coceira
    Berruga nem frieira
    Nem falta de maneira
    Ela não tem.

    Futucando bem
    Todo mundo tem piolho
    Ou tem cheiro de creolina
    Todo mundo tem um irmão meio zarolho
    Só a bailarina que não tem
    Nem unha encardida
    Nem dente com comida
    Nem casca de ferida
    Ela não tem.

    Não livra ninguém
    Todo mundo tem remela
    Quando acorda às seis da matina
    Teve escarlatina
    Ou tem febre amarela
    Só a bailarina que não tem
    Medo de subir, gente
    Medo de cair, gente
    Medo de vertigem
    Quem não tem?

    Confessando bem
    Todo mundo faz pecado
    Logo assim que a missa termina
    Todo mundo tem um primeiro namorado
    Só a bailarina que não tem
    Sujo atrás da orelha
    Bigode de groselha
    Calcinha um pouco velha
    Ela não tem.

    O padre também
    Pode até ficar vermelho
    Se o vento levanta a batina
    Reparando bem, todo mundo tem pentelho
    Só a bailarina que não tem
    Sala sem mobília
    Goteira na vasilha
    Problema na família
    Quem não tem?
    Procurando bem
    Todo mundo tem!!"

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  4. Tenho um selinho sem regras para você no Blog ARCO - IRIS ENCANTADO.

    Beijo.

    Jacque

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  5. Aline,
    lendo suas palavras me lembrei de um post lindo que a Leila escreveu para a amiga dela que tinha acabado de perder o marido para consolá-la.
    Lembra do texto: Fatinha. Espero que vc encontre uma maneira de atenuar sua dor. Como não sou capaz envio aqui para vc relembrar as palavras de nossa querida Leila:

    Fatinha.
    " querida, nada nos prepara pra morte - tem sempre alguém que diz. E todas essas coisas que tem sempre alguém que diz são absolutamente verdadeiras. Não existe curso pra perda. Não há tratamento preventivo pra maior e mais radical de todas as tristezas. Fica o silêncio do espaço vazio. Fica a inutilidade de toda e qualquer palavra. E, mesmo assim, como eu gostaria de poder dizer algo que atenuasse o vazio desse silêncio - mesmo sabendo que ele é essencial e que você só vai reencontrar o sentido das palavras se passar pelo sofrimento de não querer ouvir e não ter o que dizer.

    Na verdade, o que eu queria é que a gente voltasse pra nossa adolescência e ouvisse um dos discos dos Beatles como a gente ouvia naquela época: sonhando com os amores que viriam, com tudo que faríamos quando a gente crescesse, com as portas que o mundo iria abrir pra que a gente andasse pela vida sem medo. O cheiro do café na cozinha, o cheiro do esmalte recém-passado nas unhas, o perfume nas roupas do baile da véspera… como eu queria trazer de volta o seu quarto naquela casa da Praça do Rosário e as meninas que nós éramos então, pra ouvir os Beatles agora e achar que, num mundo onde existiam músicas como aquelas, também tinha que existir remédio pra toda e qualquer tristeza.

    Quando os adultos da minha casa estavam muito tristes, eu ia dormir na sua casa e sua mãe me dava um copo de leite gelado - luxo supremo pra quem não tinha geladeira em casa, como eu. Aquele copo grande de leite que eu contemplava encantada, e ficava segurando com dó de beber, era remédio pra alma, antídoto pros medos. Era um copo assim que eu queria te dar agora - transbordando de carinho. Não sei por onde andam nossos discos de vinil dos Beatles, não tenho idéia onde foram parar nossos sonhos de adolescentes e suspeito que nunca mais a gente vai sorrir como naquelas noites depois dos primeiros bailes e os primeiros beijos. Qualquer “moço” fazia nosso coração disparar. Qualquer solo de guitarra de qualquer banda que tocasse no Clube Brasil era a trilha perfeita. No silêncio que faz agora, na sua casa vazia e na minha vida cheia de sons que não reconheço, vamos ter que recorrer às lembranças de quem éramos.

    Feche os olhos, amiga. Sinta mansamente a dor que é inevitável. Mas tente ouvir os Beatles cantando “In my life” e sinta o gosto daquele copo de leite. Depois chore, sinta raiva, sinta saudades, assuma a orfandade de quem se vê só diante de perguntas que não temos como responder. Se quiser, feche portas e janelas, não atenda o telefone, não responda os e-mails. Mas não renuncie ao direito de sonhar que nos deixa mais humanos. E não deixe de acreditar - nem por um minuto - que sempre existe um recomeço.

    Bjs da Leila.

    Aço

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  6. ALINE,
    SEU TEXTO FOI UMA DAS POUCAS COISAS QUE ME FIZERAM REFLETIR NOS ÚLTIMOS DIAS.ALGUMA COISA LE LEVOU AO SEU BLOG HJ. FOI A PRIMEIRA VEZ QUE LI.FIQUEI MAIS FELIZ AINDA POR VC ESTAR ESCREVENDO DE UMA PESSOA TÃO ILUMINADA COMO SUA AVÓ.SÓ TENHO ELOGIOS A DIZER DELA TAMBEM. PARABÉNS PELAS BONITAS PALAVRAS.
    JÁ ESTOU FÃ.
    UM BJ COM CARINHO.

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