sábado, 19 de junho de 2021

Aniversário do Chico Buarque, o poeta










Hoje é aniversário do Chico Buarque, um dos meus poetas prediletos. Já se falou tanto sobre ele, que não há mais nada inteligente a acrescentar.
Meu único comentário é:
Não me amarro em coroa, não. Mas pro Chico eu dava. Ah, dava!

sexta-feira, 18 de junho de 2021

Moço, me dá aí dois quilos de humildade, por favor.

Tem hora que só a razão e os bons modos que aprendi (aprendi?) me impedem de bater em alguém. Ou em mim mesma, já que o problema é comigo. Embora eu ache que o mundo todo esteja errado.
Só meu lado racional não me deixa fazer o que mais desejo de vez em quando: pular da janela, me jogar na frente de um ônibus. Ou dormir por muito, muito tempo, até a tristeza passar. E como ela não passa, me vejo por aí desejando quebrar tudo pela casa, atropelar alguém, me lixar pro que pensam de mim. A consciência me freia e, resignada, passo meu blush e um batom cor de boca e vou por aí, com a tristeza camuflada.
Quando sinto esta tristeza de agora, quase não suporto acordar. Detesto o sol entrando pela minha janela e sinto que vou explodir em lágrimas. Mas já não choro há tanto tempo. Não adianta chorar quando a tristeza é daquelas muito, muito grandes. Chorar, nessas horas, só aumenta o desespero porque me faz lembrar que não vai resolver porra nenhuma.
Além de saber que não resolver, ainda tem o agravante: como uma criatura nariz empinado como eu, arrogante como eu, vai explicar que passou horas chorando? Arrogância é isso aí: esconder até o que mora em mim, o que é tatuado em mim. Meu nariz empinado, meu ar de quem vence todas jamais me permite dizer nem que peguei o caminho errado, imagine deixar que vejam como sou quase só tristeza. Tem gente que vive experiência de quase morte; eu vivo experiência de quase vida, que é quando dou um jeito de maquiar minha tristeza. Seja gastando uma grana no shopping, seja viajando pela Europa, ou só dizendo que está tudo bem. Mas quase nunca está tudo bem.
O bombeiro consertou o vazamento do banheiro e paguei com dinheiro. Chegaram as cortinas novas e ficaram ótimas. O marceneiro fez uma mesinha de centro linda, do jeito que eu desenhei. Mas e daí? Não gostei de verdade. Não senti nem uma pontinha de alegria.
Estou aqui trancada em casa, nesse isolamento imposto por um vírus maior do que eu. Ontem terminei um livro ótimo. Hoje combinei de assistir a um filme cujo texto já conheço e adoro. Pode ser que fique quase feliz, afinal, filme com ele tem tudo pra ser o melhor programa do mundo. Pode ser que me alegre. Mas só de pensar que posso ficar felizinha, já fico mais triste do que antes, porque depois de um surto de alegria vem a tristeza de sempre. Vem como nunca. Dá vontade de não rir só pra não ter que chorar. Segunda-feira tenho médico on-line. Coisas da quarentena, e me parece um programa bem mais animador, afinal, à minha tristeza somam-se o desconforto dessa nova forma de consulta sem olho no olho de verdade. 
Está decidido: não vou ver filme porra nenhuma. Ele nem vai se importar e isso me deixa triste pra cacete. Vou ficar aqui, de frente pra TV, letárgica. Triste profissional.
Ser adulto é isto. É dar bom dia pro vizinho no elevador, pagar conta pelo aplicativo do banco, esquecer-se da consulta com o médico. Fazer tudo isso com uma vontade tremenda de morrer, de dormir o dia todo, de atropelar alguém. É viver com uma tristeza involuntária sempre renascendo no peito. E não deixar a vida parar: tenho artigos pra ler, gaveta pra arrumar, dissertação pra escrever.
Se ao menos eu conseguisse chorar. Sei lá pra quê, só pra aliviar um pouco. Talvez fosse um caminho. Já tentei tanta coisa: bebida, exercício, jogo.... Sou dispersa demais para me concentrar num jogo de cartas e partidas de buraco são eternas e me deixam aflita. Bebida me dá ressaca, sem contar que é sempre assim : beber e ligar pra ele. Por isso a corrida me agrada. Quando pego o tênis, eu quero mesmo é fugir de mim. É na hora da corrida que fico um pouco mais esperançosa, porque botei na cabeça que um dia vou conseguir mesmo correr tanto, mas tanto, que vou me deixar pra trás. E quando eu estiver bem longe de mim, vou ser igual àquelas pessoas que são mais vivas do que eu, que têm sempre alguma coisa pra comemorar. Mas o raio do vírus não deixa a gente sair pra correr, não deixa a gente sair pra nada. Não dá pra eu  me esquecer de mim.
Quem sabe um dia não vou não acordar cinco vezes no meio da noite pensando. Nem vou deitar pensando, acordar pensando. Outro sinal da minha arrogância: eu penso muito e  quero entender. Mas não entendo nada e isso me enche mais de tristeza, de tanta tristeza que me dá vontade de sair de mim. Eu quero ir embora de mim e pensar menos, e ser humilde e deixar que os outros entendam aquilo tudo que não é feito pra ser entendido.

PERSONAGENS

Parei de sentir dor por um tempo e minha vida ficou cinza, árida. Fiquei um tempo sem perceber um monte de coisa da vida e fazia isso consciente. Eu tinha (e tenho e vou ter sempre!) um grande medo de sofrer. E pra não sofrer, eu parei de querer ver sentido em tudo.
Mas aí vieram aqueles fantasmas de sempre, o romantismo descarado e sem talento pra ficar na dele: voltei a pensar, a questionar e aí fodeu de vez. Meu grande inimigo mora em mim. Uns chamam de vocação, dom, talento. Eu chamo de fodição. Eu odeio saber escrever, saber pensar, saber sentir o mundo todo desse jeito que eu sinto.
Eu odeio saber como transformar uma quase-tragédia num texto engraçadinho só pra não dizer que sou uma azarada e tudo na minha vida chega de um jeito, digamos, mais difícil. Se pudesse escolher, não floreava minha dor e nem a transformava numa historinha bonitinha.
Já tentei fugir dessa mania que nasceu comigo de pensar minha história com olhos de quem está de fora e fazer de mim mesma uma personagem mais legal, mais interessante. Só que manias são mais fortes do que eu. Meus vícios são mais fortes do que eu e quando fico muito tempo sem escrever, fico chata.
Eu não gosto de escrever, acredite você ou não. Eu preciso escrever. É diferente, não acha? E não escrevo pra ninguém ler, não. Escrevo pra me aturar, porque eu mesma não me aturo.
Desde que assumi que meu coração não pode viver vazio, passei a sentir mais. E isso faz acender a luzinha vermelha: CUIDADO, SOFRIMENTO A VISTA.
Tenho medo desse sofrimento que pode embarcar em qualquer estação. Tenho medo do sofrimento que se sentou ao meu lado. E tenho medo, muito medo, de pensar no sofrimento disfarçado, que está logo ali.
Ouço de vez em quando "você é corajosa, se expõe tanto. Não tem medo?". Tenho, tenho medo de tudo. E mais ainda de me confundir com as personagens. Pensando bem, melhor que seja assim, porque meu maior medo é o de perceber que minha vida é chata, entediante. Por isso, nas minhas estórias serei sempre a personagem que vive todas as emoções. E que fica com o mocinho no final.

quinta-feira, 17 de junho de 2021

Porque eu nunca deixei de te amar



Pode parecer promessa
mas eu sinto que você é a pessoa
mais parecida comigo
que eu conheço
só que do lado do avesso.


Pode ser que seja engano
bobagem ou ilusão
de ter você na minha
mas acho que com você eu me esqueço
e em seguida eu aconteço.

Por isso deixo aqui meu endereço
se você me procurar
eu apareço
se você me encontrar
te reconheço.
                   Alice Ruiz

quarta-feira, 16 de junho de 2021

Convite ao naufrágio

Meu coração andou revisitando o passado e descobriu que ainda sonha com um certo rapaz, muito lindinho e que jamais deixou de habitar em mim. 
Por mais louco e insano que pareça, tenho revivido emoções adormecidas que me, por vezes, me deixam confusa. Dentre os tantos convites que desejo fazer, este me parece o mais urgente: Convite ao naufrágio. Vamos, meu amor, vamos naufragar e, quem sabe, nos resgatar. Juntos. Como nunca deveria ter deixado de ser.



Traz as roupas
(poucas).

Vinho, água e mel
(muito).

Poemas e livros,
lavanda, lírios.
― da música cuido eu.

Traz velas, castiçais,
mapas rasgados,
bússola
(sem Norte).

Te espero.

Cartas náuticas sobre o corpo.
Olhos a bombordo
no cais.

Te espero.

(Karina Gercke)

terça-feira, 15 de junho de 2021

Enquanto ele não chega

Sou a favor do amor. Sempre. Sou daquelas que precisa estar apaixonada o tempo todo. Claro que, na maioria das vezes, o alvo da minha paixão é um rapaz mais ou menos alto, com cara de homem e que beija bem. Mas algumas vezes me apaixono também por um livro, por um trabalho novo. Até por novelas eu sou apaixonada.

Minha última paixão durou 10 meses. Quase um ano de adrenalina pura: frio no estômago, downloads de música para ele, contagem regressiva para o próximo encontro. Uma delícia de vida. Até que a chama foi apagando. A chama dele, é bom deixar claro. 

Comecei a perceber aqueles sinais que a gente adora fingir que não estão ali, acenando pra gente, a fim de mostrar que o outro não está na mesma sintonia. Por sorte, os percebi e tratei de fazer o que era preciso: me afastei. Certa vez ouvi que uma dama sempre sabe a hora de se retirar e, mesmo sem ser assim tão dama, tão fina, agi como se fosse. Doeu? Pra caramba. Mas doeria muito mais ver aquela história tão gostosa ir morrendo aos poucos. Enchi-me de coragem e falei "acabou, né?". Ele ficou atônito, sem palavras e eu continuei: neguinho, lembra o que combinamos no início? Que só ficaríamos juntos para sermos felizes, que nossos momentos juntos seriam os melhores do mundo. Nossa história foi incrível, mas você não está mais a fim, então é hora de acabar.

Acabamos. A paixão continuou. Mas meu lado capricorniano fala alto de vez em quando e me faz usar a razão: não vale a pena estar com alguém que não vai feliz da vida ao cinema comigo. Não vale à pena fazer-me cega para a falta de paixão do outro. Semanas de choro e muito colinho de amigas depois, reencontrei meu eixo e fiquei feliz por saber que fiz algo tão bom para minha autoestima, para meu amor próprio. E, principalmente, por ver que não deixei uma linda história de paixão, sexo e desejo virar uma coisa mais ou menos. Nosso romance teve um infarto fulminante, não precisou ir pra UTI, não agonizou. E hoje é uma linda lembrança.

Ok, eu sei que você vai pensar "pô, Aline, você deveria ter investido mais" ou "Ai, você desiste muito fácil". Não, eu não desisto fácil, eu só aprendi que para mim "pouco" nunca é o bastante. Eu quero tudo, eu quero muito. Sim, você adivinhou: eu sou exigente. Estar com alguém que não está comigo me faz um mal imenso. E há algum tempo aprendi que sou eu que preciso cuidar de mim, não posso deixar essa responsabilidade nas mãos do outro. É muita responsabilidade para ele e muita burrice da minha parte.

Geralmente, condicionar a felicidade ao fato de ter um namorado faz mal à minha saúde mental, à minha autoestima. E quando a paixão vai ladeira abaixo, me dá uma vontade imensa de desistir do amor. E se tem uma coisa a que me recuso é endurecer meu coração. O dia que isso acontecer, vou perder o que tenho de mais bonito em mim: a capacidade de amar. Então, prefiro eu mesma cuidar de mim, ser seletiva, cuidadosa. Sou especial demais para me entregar a qualquer um. Da mesma forma que abandono um livro ruim, não uso uma roupa que não me cai bem, também dispenso um namoro morno. Sou especial demais e qualquer hora vai pintar um carinha apaixonado por mim. Enquanto isso, vou curtindo outras paixões: meus livros, meus textos, meus amigos.

sábado, 12 de junho de 2021

Parei de fingir e espero que não me julguem

Uma amiga vai se casar. A outra vai se separar porque se apaixonou pelo vizinho. Uma terceira se casou de novo. E eu, que vivo jurando nunca mais me casar, quero conhecer o amor.

Se toda panela tem uma tampa, cadê a minha? Eu quero um amor de presente, Destino. Eu quero ser amada de verdade, Santo Antônio. Eu quero que o mito da "mulher moderna" vá se foder!
Meu pé cansado tá cansado de se enfiar num chinelo que não é o meu número. Nunca desejei essas breguices, mas ando tão contraditória que uma paixãozinha tinha tudo a ver na minha vida agora. Mas quero paixão que vire amor e que seja pra sempre.

Pronto, falei: eu quero um amor pra sempre. Chega da frieza de dizer que isso não existe. Se rola tanta esquisitice no mundo, deve haver amor que não acabe também, igual nos filmes.

E já que tô ficando cafona, vai ser por completo: quero um amor pra ver filme juntinho, pra me chamar de "Mô" e me levar pra casa da mãe no domingo. Vamos almoçar macarronada com frango com um monte de sobrinho e cunhada.

Parei de fingir e espero que não me julguem. Parei de fingir que tá tudo bem ser dona do meu nariz e fazer todas as escolhas eu mesma. Cansei. 
Não quero mais viajar sozinha. Não quero mais pedir prato pra uma pessoa só e comer no sofá. Não quero nunca mais que me apresentem um amigo que "tem tudo a ver comigo" e então descobrir que ele até que é legal, mas não bateu. 

Eu quero bater o olho e dizer "é este!". Quero ver nos olhos dele "é esta!".

Tem um DVD de autoajuda que diz que tenho de escrever o que eu quero conquistar. E eu, sempre tão incrédula, tô fazendo isso agora. E como o autor diz que tenho de descrever com detalhes, porque aí o Universo capricha, vou abrir meu coração. Pode me chamar de antiquada, de mulherzinha e o escambal. 

Lá vai: quero, para sempre, dormir abraçada com ele, que tem ombros largos e não faz barulho de manhã. E é com ele que eu quero me casar, escolher o sofá, a mesa e o quadro da sala. Ir ao supermercado no sábado e à feira no domingo de manhã. Quero admirá-lo indo pro trabalho, de camisa social, recém barbeado e dizer "bom trabalho, meu amor".

Quero transar beijando na boca, sentir a mão forte dele me segurando e ouvir daquela boca linda que me ama. Quero essa mesma boca me mordendo o pescoço e ir descendo, descendo, até onde eu gosto que ele me morda-beija com vontade.

Quero ser pedida em casamento e casar de vestidão, aquele que eu já escolhi o modelo. Quero um homem que leia um pouco antes de dormir e desligue a TV quando o clima esquentar.

Quero acordar no meio da noite e olhar pra ele certa de que estou nos seus sonhos e que sou o que ele sempre sonhou, igual ele é pra mim.

Quero ouvir "não precisa" quando eu começar a Dieta das Proteínas e "pra quê?" quando eu cismar fazer lipo no culote. Quero telefonemas no final da tarde para saber se tá tudo bem. "Tá! Tá tudo bem, meu amor! Com você tá tudo sempre bem".

Quero um homem forte o bastante pra aguentar minhas contradições e não se assustar com minhas carências. E sensível no ponto certo para perceber que sou assim mesmo e que, de vez em quando, fico melancólica.

Quero intimidade pra caramba pra poder fazer voz de criança e distanciamento cirúrgico quando a prisão de ventre atacar. Quero privacidade no banheiro de casa e sacanagem na banheira do motel, aonde vamos, de repente, no meio da tarde, sem data pra comemorar. 

Quero um amor que me ame na nossa cama e me coma no sofá. Que me marque o corpo como quem diz "você é minha". Porque eu sou só dele, sempre serei.

Quero dizer na frente do Padre que vou respeitá-lo e amá-lo até o fim da nossa vida e dizer, com certeza plena, que nosso amor vem de outras vidas.

Quero meu nome com o sobrenome dele e um anel na mão esquerda para todos verem que eu tenho dono, que eu tenho um amor a quem sou fiel desde sempre.

Quero cafuné quando brigar com minha mãe ou fizer alguma merda no trabalho. Sexo selvagem quando beber vinho e fazer amor depois da missa.

Quero deixar bilhete no bolso dele dizendo que minha vida ficou mais bonita depois que o conheci. Quero não fazer segredo do ciuminho que eu sinto daquela ex-namorada linda que ele tem. E quero que ele diga que não preciso me preocupar: eu sou o seu grande amor.

Quero um homem com cara de homem, do jeito que eu gosto. E que, com esse jeitão de homem, faz meu tesão aumentar. Com humor ácido, combinando com meu olhar irônico.

Meu amor, Destino, tem que ser maluco beleza quando tirar o terno, mas ter os pés no chão de 2a a 6a-feira. Aos sábados, usaremos chinelos. E domingo, quem é que sabe?

Vamos jantar juntos, com mesa posta e arroz integral. Quero, mais do que tudo, olhar para ele de repente e pensar "você é o homem que esperei enquanto me fingia de mulher independente". 

Quero ligar para ele depois da reunião e dizer "você apareceu na hora certa, quando meu coração já estava prontinho pra te receber".

E então, quando minha próxima amiga disser que vai se casar, eu a abrace forte e diga de todo meu coração "seja tão feliz eu sou".

quinta-feira, 10 de junho de 2021

FRAZES KAMIKAZES - Ou, como espantar um carinha imaturo

Não gosto de rotina: fazer todo dia o mesmo trajeto pro trabalho, sair pra almoçar todos os dias no mesmo horário, no mesmo restaurante. Como não posso me dar ao luxo de mudar de emprego a cada seis meses e assim conhecer um monte de gente nova, eu faço o que posso pra sair do piloto automático: tem dia que vou trabalhar de ônibus, tem dia que pego um táxi e peço para passarmos pela praia. Em vez de almoçar, pego um livro pra ler e por aí vai... Tento não repetir as coisas, acho que é pra não morrer de tédio. 

Meus amigos também são ecléticos: tenho o melhor amigo para falar besteira, outro pra pedir conselho, uma amiga certinha pra ir à exposições, outra meio porralôca pra ir pra Lapa. 

Assim, vou dando nuances diferentes pra minha vida não ser assim tão linear. Só tem uma coisa que não muda: um instinto eterno (e secular) de acabar com as coisas antes que se tornem “sérias”, pra valer. Estou falando de relacionamentos, claro. Toda vez que a coisa parece estar no caminho certo, um bichinho autodestrutivo ou superprotetor (depende do ponto de vista ou da linha de terapia de quem quiser analisar) dá um jeito de estragar tudo. 

Adquiri um talento incrível para isso: estragar as coisas virou minha especialidade. Se por um lado parece coisa de gente doida, ao mesmo tempo, vejo como o melhor jeito de não sofrer. Faço isso pra enxergar logo qual é o tamanho do cérebro do cara e quão parecido ele é com todos os outros que já estiveram no meu caderninho de telefone. 

Vou confessar uma coisa: chega a ser engraçado como tem uns caras infantis. Falo isso sem mágoa ou amargura. É quase científico: experimenta falar uma das minhas frases kamikazes que você vai me dar razão. Sim, eu falo sempre as mesmas frases, mostrando, assim, que aprendi alguma coisa com o sexo oposto. 

Falo as mesmas frases para os mais diferentes caras. E a reação é sempre muito parecida: o sujeito vira praticamente um maratonista. Corre trocentos quilômetros e depois desaparece do mapa. Nem no Google eu o encontro mais. 
As tais frases não expressam, necessariamente, o que sinto ou o que, de verdade, eu gostaria de dizer. É uma espécie de teste meio sádico de minha parte. Eles somem e eu dou risada. E me livro de um bobão emocionalmente imaturo. Que frases são essas que produzem efeito tão devastador? Alguns exemplos são “A gente combina pra caramba”, “Minha mãe vai adorar te conhecer” ou “Lá é lindo. No feriado da semana que vem a gente podia ir”. Muitas vezes tenho certeza de que o cara (que é até gente boa e tem um papo legal) e eu somos totalmente diferentes e também jamais teria coragem de apresentar um “Zé-Ninguém-em-potencial-na-minha-vida-amorosa” para minha família. 
Mas eles sempre acreditam nisso e metem o pé. Quando vejo que a figura não me liga há três dias, constato, numa felicidade amarga, porém esnobe, que eu estava certíssima. O cara não era nada daquilo que falava. Sinto um misto de alívio e preguiça, pois sei que vou ter de começar do zero com outro. E eu morro de preguiça de conhecer alguém, e contar as mesmas coisas sobre mim, e esconder as mesmas coisas sobre mim, e explicar que aquela não é minha prima de verdade, que a gente é amiga há muitos anos e por isso se considera prima e... nossa! Quanta trabalheira para, depois da 1ª ou 2ª frase “Ou dá ou desce” o cara odiar o dia que me conheceu. 
Gostaria muito de conseguir mudar esse meu comportamento, mas é mais forte do que eu - é um vício, eu diria. A sensação de constatar que eu estava certa, que ele não merecia ouvir coisas tão íntimas como “passei a tarde toda pensando em você” parece uma medalha. Acertei de novo: o alvo era a maior furada! Mas aprendi a rir disso também. Tem uns que fingem não ter ouvido aquilo e insistem em continuar na história. Aí eu vejo que ele é mais vivido, deve pensar “vou empurrar com a barriga”. Já cheguei a pensar que esses, que não desistiam da 1ª bateria de testes, eram mais maduros ou, quem sabe, estão mesmo a fim. Deve ser meu lado pisciano insistindo em dar as caras e me fazendo ter uns surtos românticos. A 2ª bateria de testes consiste em dizer “você prefere menino ou menina? Eu sempre quis ser mãe de menina”, “na minha família tem muitas pessoas de olhos azuis. Quem sabe nosso filhinho também não terá?” ou “deixa a chave da sua casa comigo?”. Mesmo sendo eu a protagonista e, portanto, a que acaba ouvindo "qualquer hora a gente se vê", dou risada. 

O que me deixa pau da vida é homem que já encarou um monte de mulher carente e pegou medo de compromisso. Esses são terríveis, porque eu falo "tô com saudade" e o cara entende "eu quero casar com você”. Falo pra ele passar lá em casa e ele entende que é pra pedir a minha mão em casamento aos meus pais, que nem moram aqui. Muitas vezes, quem está a fim de meter o pé sou eu mesma, e uso essas granadas faladas só pra ter a certeza de que ele nunca mais vai me ligar ou me atender. E que vai me bloquear no Whatsapp. É o jeito que encontrei de me proteger de homem medroso ou machista. Porque eu acho que um sujeito que perde o interesse só porque sabe que ali a partida já está ganha é um machista com cérebro de ervilha. E também acho que o cara que treme de pavor por saber que eu estou ficando a fim dele é um medroso. “Ficar a fim” é ficar a fim de sair, de dormir junto, de sair pra jantar. Não é ficar a fim de escolher os padrinhos ou a igreja. Medroso ou machista, não importa, no fundo ele é um pretensioso. É muita pretensão achar que quero ter um filho dele só porque ele me despertou um sentimentozinho à toa. É um descaramento achar que tudo bem dormir na minha cama, fumar no meu quarto, mas andar de mãos dadas na orla requer mais intimidade. Vai se catar. Como funciona a mente de uma criatura assim? 

Como ele pode me enxergar tão assustadora só porque falei que lembrei dele ontem à tarde? Caramba! É tão difícil sacar que eu também tenho vários medos, e o de me envolver demais é o maior deles? Será que ele não é inteligente o bastante pra sacar que mulher também tem medo de assumir compromisso? Acho uma sacanagem me incluir na lista daquelas que querem casar a todo custo: eu já casei uma vez, agora eu quero é amar e ser amada. E ser feliz, claro. 

Acho uma injustiça me ver como uma louca de “mais de 30”, cujo relógio biológico implora por um filho: eu não quero filho, cacete! Não percebeu? E também não adianta você me perguntar o que eu quero. Não sei, droga!
 
Quem sabe um dia eu aprendo a conviver bem com a rotina? Quem sabe um dia eu não pare de estragar tudo? Ou, quem sabe, existe mesmo um carinha gostoso, gente boa e que também sinta saudade de mim sem pensar em casamento, só em ser feliz?

sexta-feira, 21 de maio de 2021

Carta à uma amiga moderna e machista

Amiga,
Tenho imenso respeito por você, mas fiquei meio chocada com aquele seu papo de ontem. Quanto machismo, menina moderna e carioca! Jura que você acredita que toda mulher tem de se fazer de frágil e dependente para manter um homem ao lado? Você acha fácil deixar de ter opinião própria e jogar as responsabilidades na mão dele?
Desta vez eu não vou seguir seu conselho. Imagine você, logo eu que vivo te perguntando as coisas! Mas desta vez não vai dar. Pra mim, cada pessoa tem um dom diferente: umas gostam de matemática, outras adoram trabalhar com vendas, outras preferem trabalhar sozinhas. Umas optam por viver sob as asas dos pais, outras querem ganhar o mundo. Vovô Gouvêa dizia sempre: existe muita qualidade de gente por aí.
Ouvindo você defender com tanto afinco sua vida de esposa-mãe-dona-de-casa, percebi que seus conselhos são muito bons, mas para quem pretende ter filhos e viver da mesada do marido. Não é meu caso, já que tenho carteira assinada e diplomas.
Ser esposa exemplar ou ter uma profissão não é mérito nem demérito, é apenas questão de escolhas. E há de se respeitá-las, pois toda escolha demanda consequências e cobra um preço. Você sabe disso. Eu também pago um preço por não ter sido uma esposa mais dedicada. É que aquilo não era pra mim e não consegui fingir mais do que três dias. Por mais que eu quisesse tentar, não dava pra esconder minhas frustrações. Eu sempre fui assim, minhas infelicidades sempre foram sardas em minha pele branca.
Ontem, mesmo que eu não falasse nada, você perceberia minha fisionomia de horror enquanto você provava, quase cientificamente, que o homem gosta de mulher submissa e fútil. Mulher que pensa, segundo sua teoria, dá trabalho demais e assusta os homens.
Amiga, tive uma vontade louca de te matar. Ou de me matar, porque, naquela hora, segundo sua teoria, tive certeza de que vou morrer sem nunca mais ouvir um homem dizer que me ama.
Em relação àquele comentário sobre mim, tenho uma correção a fazer: não preciso fazer de conta, deixar o homem achar que sou frágil. Sabe por quê? Porque sou mesmo a pessoa mais frágil do mundo. E se você fosse um dos homens com quem me relacionei, veria que isso assusta muito mais do a tendência a ser independente que já nasceu comigo. Você ficaria espantada em saber como minhas fragilidades e carências são infinitas. Curiosamente, elas não me fazem acreditar que minha felicidade está nas mãos do outro.
Não dá pra julgar nossas escolhas ou objetivos, por isso me sinto obrigada a repetir: TENHO IMENSO RESPEITO POR VOCÊ. Mesmo estando ainda meio atordoada por ver tanto machismo no seu estilo de vida, que eu considerava o melhor way of life do mundo.
Nunca, nem naquele momento extremamente delicado que passei uns cinco anos atrás, me envolvi com um cara só para falar “o meu namorado”. Não sei se isso é graças ao meu medo de homens machistas ou à terapia. Só sei que sempre evitei homens que preferiam meus peitos às minhas conversas. Claro que adoro que meu homem me ache gostosa, mas ele também tem que me admirar. Não viveria bem com um cara que pensasse que sou tão fragilzinha a ponto de não saber tomar decisões. Odeio quem me subestima.
Fico curiosa: você vive numa boa assim? Não lhe parece meio constrangedor saber que seu marido não confia no seu intelecto? E, mais importante, não rola uma dose de culpa por ser mais um dos itens com que ele precisa se preocupar?
Eu tenho um grande medo de ser um motivo a mais de preocupação para meu companheiro. Talvez fale sobre isso na terapia hoje à noite.
Outra correção a meu respeito: não estou por aí beijando várias bocas procurando o cara certo. Estou, sim, disponível para viver uma paixão. Acredite: eu procuro um grande amor. Marido já tive. 

(Texto originalmente publicado no Blog Mulherão)

segunda-feira, 3 de maio de 2021

PRINCESA TOMA RIVOTRIL?

Dei uma passada no analista, que também é psiquiatra e me dá a receitinha branca do antideprê e a azul, do rivotril.
Papo vai, papo vem, tomei coragem e falei: Dr., fiquei mal estes dias. E danei a falar da onda que me sufocou só porque eu desisti de brincar de ser feliz ao lado do cara que escolhi pra ser meu príncipe.
Geralmente, não falo exatamente o que me deixou triste, o que tá me afligindo, tento ser superficial, como quase tudo (e todos) por aí. É que falar da dor faz a maldita aumentar. Eu falo e fico pensando nas palavras e elas saem cortando o resto do coração que ainda tá intacto. Ou quase.
Mas já que comecei, continuei e falei tudo: fiquei mal pra cacete, até chorei. Era feriado e o mundo estava comemorando os dias de folga, só eu que fiquei em casa, nem telefone atendi. Tudo por causa dele e dessa mania de me apaixonar. E quanto mais eu pensava em como estava triste, deprimida e pedindo comida por telefone, pra não ter que encarar a realidade lá fora, mais eu ficava puta comigo mesma. No início tentei aquele blablablá: olhar tudo o que eu tenho, pensar em quem não tem nada, olhar as vítimas da enchente e dar graças a Deus por morar no 8o. andar... De vez em quando, isso melhora o astral. Mas desta não rolou. Além de deprimida eu me senti mega culpada por ter o armário cheinho de roupa bonita, ver o Cristo da janela e, mesmo assim, estar ali, letárgica, sem vontade nem de ver novela.
Falei tudo pro Doutor.
Falei que senti vontade de ter morrido no acidente, de não ter voltado da Europa e que tudo perdeu o sentido.
Ele só me olhava, balançava a cabeça de vez em quando e eu também, de vez em quando, perguntava: tá prestando atenção? Então para de fazer cara de quem não tá nem aí. Sofri pra cacete e você é meu médico, tem a obrigação de me ouvir e aumentar a dose do remédio pra eu dormir mais e acordar feliz.
Como é que é? Não vai aumentar? Você não sabe o que é perder um amor, sacar que ele não tá nem aí pra você. Aposto que nunca tomou um fora. Tomou nada. E homem liga pra isso? Homem dá o fora primeiro, só pra ter o gosto de ver a gente sofrer.
Anda, me dá logo essa receita que eu vou embora. Tô perdendo meu tempo. Ainda bem que o plano de saúde reembolsa o valor integral da consulta. Era só o que faltava: eu ter que pagar pra ver você nem ligando pros meus problemas. Não tô fazendo drama. Tô é sofrendo. E para de falar assim, tá parecendo um ex-namorado que dizia que eu sofro mais a dor do que o problema. Eu sofro porque dói. Eu chorei porque doeu. Não consigo ser forte o tempo todo, e por isso você tá aí: pra me ajudar. Mas não tá ajudando e ainda tá fazendo pouco caso.
Se ele não gostava de mim, por que não falou? Eu sei que ele nunca disse que gostava, mas pensei que era coisa de homem, essa babaquice de não querer demonstrar o sentimento e tal. Eu? Eu também não falei que gostava. Só uma vez. E ele fingiu que não escutou.
Tá louco? Claro que ele não sabe que eu tô aqui, ainda mais falando dele. Se ele já percebia que eu era meio maluca, saber que tenho um psiquiatra ia ser a comprovação.
Não! Nunca falei que vinha aqui. Dizia que era dermatologista, ginecologista. Deus me livre deixar ele saber que eu tomo antidepressivo. Ele era meu príncipe, eu tinha que ser a princesa dele. E onde já se viu princesa doida?
Por que eu não escrevi o que tava sentindo? Porque não rola esse tipo de assunto, sei lá, é muito pesado. O pessoal que me lê entra lá no blog pra rir das coisas engraçadas que eu escrevo e não pra ver coisa sofrida. Você tem cada uma... Quem é que vai ser fã de doida, que se tranca em casa por dor de cotovelo, que toma rivotril e vai pro psiquiatra?
Não! Eu escrevo coisa legal de ler, pra descontrair. Sobre o que eu escrevo? Sobre as bobeiras que me acontecem. Nada especial. Falo de como é difícil convencer os outros que eu tô bem sem namorado, falo de como é uma merda morar sozinha e não saber trocar uma torneira, essas coisas de mulher moderna, que vive se fodendo pra dar conta de tudo. Só isso.
Não, eu não falo da minha vida. Só um pouco. Claro que já dei bandeira e falei mais do que devia, mas nem a pau vou dar na pinta assim. Eles pensam que sou engraçada e não louca.
Quer saber? Vou embora porque você tá mudando o assunto, não quer aumentar a dose do remédio e vou acabar perdendo a novela. E também porque você é homem e nunca vai entender o que é isso que eu tô sentindo. Tô sentindo, não: senti. Senti! Já passou.
É, faz mais de um mês que aconteceu isso. Ai, só de lembrar que perdi um final de semana prolongado por causa disso... ai, que ódio.
Claro que eu botei a fila pra andar, não sou freira, né? A vida é assim, a gente perde aqui, ganha ali. Odeio quando você diz "o tempo cura tudo". Não cura. Tem noção do tempo que perdi sofrendo por ele? Ele, o ... o... Você sabe quem.
Doutor, só uma coisa, aqui entre nós: eu sou normal? Responde, cacete! Para de rir assim. Tô perguntando porque, de vez em quando, eu acho que sou tudo, menos normal. Uma criatura normal não faz um carnaval desses que eu fiz só por causa de um pé na bunda, né? Mas eu, eu, cara, eu transformo tudo numa novela mexicana. É por isso que te perguntei: sou normal?
Eu? Eu sei lá o que é ser normal. Certamente é algo beeeem diferente do que eu sou.
Como é que é? Ser normal é ser assim que nem eu?
Caramba, como tem gente doida por aí...

segunda-feira, 19 de abril de 2021

SEM LUGAR PRA MIM


Acordei antes das sete hoje. Não pode ser um bom sinal. Ou melhor, é um puta de um sinal, um mau sinal. Tô com problemas. Sonho ruim, pesadelo. Levantei, tomei um banho de duas horas e nem ouvi direito o que falavam no rádio. Só pensava no sonho que tive.
Sonhei com um cara que amei (amei?). Combinávamos um passeio para um lugar que a gente chamava de fazenda, mas que não era fazenda porra nenhuma. Sei que não era porque eu odeio fazenda e tava feliz da vida por estarmos indo pra lá. Talvez fosse fazenda, sim, porque eu nem me importo pra onde vou quando vou com ele.
Tava todo mundo no carro, mas eu não conhecia ninguém desse "todo mundo". Era o "todo mundo dele": irmãos, filhos... Aí eu cismei de levar minha moto. Fazenda sem moto? Já me privo tanto das minhas duas rodas que me libertam da vida chatinha que levo, não poderia perder a chance de pilotar numa fazenda: estradas calmas, só uma ou outra vaca passando.
Mas ele falou "não tem lugar pra você no carro". Eu sempre soube que não tinha lugar pra mim na vida dele, mas essa do carro me pegou de surpresa. No carro a gente leva qualquer um. Menos eu. Não tinha lugar pra mim no carro dele.
-Então eu vou de moto.
- Você não tá acostumada a andar de moto na estrada.
- Moto eu não ando, eu piloto!
- Você é marrenta.
- Se não tem lugar no carro, que outro jeito ? Tem de ser de moto.
- Melhor você não ir.
Tem conversa que é melhor não insistir. Se eu tivesse ficado quieta quando ele disse que não tinha lugar no carro pra mim, me poupava de ouvir o que não queria. Só que meu problema é que eu ouço até o que não é dito. E entendo bem.
- Eu vou pra outra fazenda. Só pra não perder o final de semana. A mala tá pronta.
- Cê que sabe. Se cuida.
Aí pensei em tudo o que eu ia enfrentar: Via Dutra, caminhão, sol forte, chuva forte. Sinto muito frio nas mãos e não encontrei minhas luvas. Nem minhas botas de pilotar na estrada. Peguei um cachecol qualquer, meu capacete branco. Mas ele não era mais branco, ele perdeu a cor. Acabou o lugar no carro e a cor do capacete. Da estrada. Vai ver até a fazenda ia ser preto e branco. Só porque não tem lugar no seu carro pra mim.
Eu nem fazia questão de sentar na frente: valia ir lá atrás com a criançada, cantando aquelas músicas de viagem longa. Minha estrada de repente ficou longa, porque você tava na outra estrada, oposta. E não vinha na minha direção. Perdeu o sentido. O final de semana perdeu o sentido. Pegar uma estrada de moto perdeu o sentido.
Pra quem eu ia contar que levei uma fechada de um caminhão e o cara arregalou os olhos quando viu como fui rápida na manobra? Você não estaria lá pra ouvir. Você nunca me ouve mesmo. Você nem acredita que eu saiba me desvencilhar de caminhões na estrada. Aposto que nem se lembra do dia que contei que fui pra Vitória de moto. Você não me ouve. Por isso valia ir lá atrás com a criançada. Se a gente cantasse alto aquelas músicas de viagem longa, talvez você me ouviria. Mas não tinha lugar pra mim no carro.
Fiquei em casa e falei mil vezes "eu odeio fazenda". Aí minha prima ligou. Ainda tá procurando apartamento. Separação já é foda, quando a gente tem de procurar onde morar é foda ao quadrado. A Fefê machucou o dedão de novo no basquete. Lembrei do dia que a gente foi com ela até o hospital e começou a rir quando falou na recepção "moço, ela tem de ser atendida com urgência: quebrou o dedão.". Rimos tanto: quebrar dedão é emergência? É motivo de riso.
Eu pensava que a gente ria junto, pensava que as coisas que eu te contava eram coisas interessantes. Você nem ouvia. Você já me ouviu?
Naquele dia que bebi demais e falei na lata: te amo! Você ouviu? Naquele dia eu acho que você ouviu, sim, porque foi depois daquilo que eu perdi o lugar no seu carro. No seu quarto. Lugar na sua vida eu nunca tive, mas pensei que ia ter. Um dia. Só um dia.
Eu quero uma moto imensa, com todas as cilindradas do mundo. Eu quero acelerar tanto, mas tanto, quero ir pra bem longe desse meu mundo que tá cheio de lembranças e referências suas.
Eu quero ir pra um lugar onde eu nunca tenha dito que te amo.

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Quantas marcas

No meio da conversa, sem mais nem menos, falei "acho que nunca amei ninguém desse jeito". E todo mundo ficou com aquela cara de espanto. Acho que ninguém esperava me ouvir falando de você assim.
Mas é isso mesmo e por mais que eu quisesse negar pra eles, não ia conseguir negar pra mim. É isso aí, apesar de tudo, eu amo você. Acho que amo desde o dia que te vi pela primeira vez, lá na casa da Sílvia. Eu sei que não existe jeito de medir o tamanho ou o peso de um amor, mas o que eu sinto por você é maior do que eu já senti por alguém. Minha tão famosa incapacidade de amar foi a nocaute.

Você também não acredita, né? Tudo bem, eu também duvidei, mas naquele dia que fui dormir na sua casa porque perdi minhas chaves, tive certeza de tudo isso que estou falando. Fiquei brigando com meu sono só pra ficar te olhando, que nem na música do Cazuza: perder noites de sono só pra te ver dormir/ Que prazer mais egoísta é o de gostar de outro ser.
E quanto mais eu penso nesse prazer besta e egoísta, mais eu vejo que te amo com uma verdade, com uma intensidade que eu não sabia existir. 

Eu te amo pra mim mesma, não te pediria amor em troca. E depois que aceitei isso, alguma coisa mudou. Sei lá se é bom ou se é a maior cilada do mundo. Eu tenho um medo desgraçado de sofrer, mas coisas mesquinhas, fúteis, sofríveis não combinam com esse sentimento. Tudo bem que ele me aperta o peito de vez em quando, mas e daí? Quando suas mãos apertam meus peitos eu também sorrio assim. Quando sua boca encosta nos meus peitos, eu te amo até me perder.

Não quero te provar nada. Nada mudaria em mim se você me amasse. Talvez eu pudesse te falar, em vez de escrever, mas pouca coisa mudaria. Porque o amor que eu sinto, por mais que tenha adereços, enfeites e licenças-poéticas, é aquele amor cafoninha que todo mundo ama. Deixo de ser fashion pra poder te amar mais e mais e mais.

Amo quando você chega. Seja na minha casa, seja na sua, seja naquele motel horroroso que a gente foi semana passada. Amo quando você chega e, de certa forma, também quando você vai embora e deixa em mim só o seu cheiro. E algumas marcas. E se fosse falar das marcas que você deixou em mim, ficaria horas escrevendo. Você me marcou demais. 
 
Mas agora preciso me concentrar no amor que sinto quando você vai embora, porque eu acho que você está mais perto da porta de saída do que da minha cama.

E o que mais me assusta é que eu te amo até quando você não vai mais chegar.

segunda-feira, 1 de março de 2021

MANIAS

Tenho umas lembranças antigas, da época de 1ª série, sabe? Lembro de estar prontinha pra ir pra escola e minha mãe, ao me ver arrumada, levantava minha saia para dar uma conferida no que estava usando por baixo: se a calcinha fosse velha, ela mandava eu trocar.

De tempos em tempos, ela fazia uma varredura nas nossas gavetas de calcinhas, minha e da minha irmã: as calcinhas que não fossem novas (ou, pelo menos, que não parecesse assim), não tinha conversa, iam pro lixo.
Desde sempre, se ia viajar ou dormir na casa de alguma amiga, minha mãe perguntava “não tá levando calcinha velha, não, tá?”. Quando ia passear, ouvia “colocou uma calcinha nova?’.

Quando eu reclamava, ela falava “Vai que você leva um tombo na rua e a calcinha aparece?” .
Tinha também o argumento do acidente: já pensou sofrer um acidente e ter de ir pro hospital? Chega lá e tá usando uma calcinha velha. Que vergonha!”.

Uma mania meio doida que, de tanto ser repetida, eu herdei. Até hoje não consigo ter aquela calcinha de algodão, com o elástico largo que, dizem, é ótima pra ficar em casa.
De vez em quando eu achava que era exagero ter tanta calcinha tinindo de nova. Sim, porque minha gaveta de lingerie parece mostruário de loja. Mas uma coisa falada tantas vezes desde a infância, sabe como é, fica na cabeça da gente.

Há alguns anos, indo do trabalho para casa, de moto, me acidentei. Levei um tombo que me faria ficar alguns meses em casa. Deitada numa das pistas da Epitácio Pessoa, enquanto esperava os Bombeiros me levarem para o hospital, liguei pro namorado " Caí. Calma, tá tudo bem. Acho que só quebrei a perna. O resto tá inteiro. E a calcinha é nova.”. Mania é mania.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Reunião extraordinária. Pra falar de um ordinário

Minha amiga convocou a mim e as outras amigas para uma "reunião emergencial, extraordinária". Relato da convocante: "Ele me ligou e eu tava no salão. Ele disse que teria de sair às 17h, pois tinha um compromisso às 17:30h. Só saí do salão às 17:10h e liguei pra ele sugerindo o café pra amanhã.

Localizando as personagens: "Ele" é um cara mega charmoso que trabalha no mesmo andar que "Ela", a amiga. Ontem se encontraram no elevador, como de costume. Só que o papo evoluiu e ele a convidou para um café. Segundas intenções foi o que ela viu piscando na testa dele. Aceitou.

Voltemos ao relato "Ele insistiu, disse que remarcou o compromisso e completou 'é rápido, só pra eu te ver'. Eu, que me autointitulo Mulher Sem-Sal e só recebo cantada de cara problemático ou de peão de obra, achei tudo muito fácil e muito bom. Pensei na hora: aí tem coisa. No mínimo é casado. Bingo!

"Quando nos encontramos, a primeira coisa que fiz foi o olhar a mão dele: alianção lá.
Dei uma broxada, né? E talvez, por isso mesmo, foi um papo super agradável, já que não fiquei nervosa. Não podia ficar empolgada mesmo: C-A-S-A-D-O.

"Dez minutos depois do café, recebi um SMS: Adorei nosso bate-papo, mas queria algo menos formal. Tô aqui ainda. Como assim? Menos formal do que um café em pleno expediente, só se fôssemos pra Lapa dançar forró, né? E ainda avisa: tô aqui ainda. NÃO vai me comer no escritório! Se é isso que ele quer dizer com 'tô aqui ainda'. 

"Vocês tão vendo, amigas? Eu corro de problemas mas eles me acham.
Mulher-Sem Sal vai dar pra outro que não seja o 'Homem-Chute'? Que baita progresso. Vou dar pro gato casado."

Bem, como já disse, papel de amiga é levantar o astral, alertar para os riscos de se machucar e tal, mas ela não perguntou nossa opinião, só avisou que vai embarcar nesse flerte de elevador. Nem eu e nem as outras convocadas ousamos dar palpite: alguém acha mesmo que tira uma ideia da cabeça de uma mulher decidida?

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

SOBRE QUEM VAI E QUEM FICA

Não é comum a gente ter um amigo, seja na escola, na faculdade, ou até de infância, e ter certeza de que ele (ou ela) é seu grande amigo, aquele que entende você só pelo olhar. Aquele que sabe seus mais íntimos segredos. Mas um dia, bem, não é do dia para a noite, mas aos poucos, o contato vai rareando e, quando percebemos, já estamos tão afastados que num possível encontro há pouca coisa em comum e o papo não flui tão bem. Percebe-se, com um pouco de tristeza, que sua vida e a de seu melhor amigo tomaram um rumo diferente, ambos seguiram por caminhos distintos e já não existe tanta coisa em comum. É chato mas acontece. Mas há aqueles amigos que mesmo depois de um longo período de afastamento - geográfico ou pelo eterno corre-corre da vida - quando nos encontramos, é como se nem a distância e nem a falta de notícias existisse. Você sente o mesmo carinho, a mesma identificação, a mesma intimidade de antes. Outras vezes, um amigo desaparece de um dia para a noite. Esse afastamento é o que mais me dói, mais me intriga: como pode alguém simplesmente sumir da nossa vida? Eu teria meia dúzia de exemplos de amigos queridos de quem o destino me afastou. Tenho outros poucos com quem, embora o contato seja pouco, consigo conversar com a mesma confiança e admiração de outrora. E, claro, tenho alguns amigos que evaporaram da minha vida. Não adianta tentar telefonar, tentar contato pelas redes sociais da vida e garanto que se contratasse um detetive, a tentativa de reaproximação seria um fiasco. Não me acostumo com isso, embora já devesse ter-me acostumado. Dias desses precisava conversar com um amigo querido, de quem sempre ouvi os conselhos atentamente. Estava com mil dúvidas sobre uma escolha a fazer e ele era, pelo menos na minha classificação, a pessoa mais sensata para me falar sobre tudo o que eu precisava ouvir. Tal como quem procura um livro importante, ou a chave da porta, revirei gavetas (mentira: é claro que ele não estava em gaveta alguma. Então, tentei telefonar para ele algumas vezes) e constatei: é, perdi. Onde será que deixei? Ou melhor: para onde ele foi? Lembrei de um poemina do Mário Quintana em que o poeta fala sobre o mistério dos guarda-chuvas esquecido por aí (será que existe um céu para este e outros objetos perdidos?). Tomara que exista uma terra dos amigos sumidos. E tomara que um dia eu consiga contato com este estranho planeta. Neste dia, vou dar um abraço apertado e fraterno em cada um deles e dizer que minha primeira reação foi ficar decepcionada, mas depois o que ficou mesmo foi um vazio do tamanho exato do meu carinho por eles. 

PS: Se houver alguma identificação com esse texto, meu telefone continua o mesmo. E nem meu parceiro ou sua parceira precisam ficar com ciúmes. De vez em quando, eu preciso de um "oi" de um amigo sumido. Só isso. Sem intenções carnais.