sexta-feira, 21 de maio de 2021

Carta à uma amiga moderna e machista

Amiga,
Tenho imenso respeito por você, mas fiquei meio chocada com aquele seu papo de ontem. Quanto machismo, menina moderna e carioca! Jura que você acredita que toda mulher tem de se fazer de frágil e dependente para manter um homem ao lado? Você acha fácil deixar de ter opinião própria e jogar as responsabilidades na mão dele?
Desta vez eu não vou seguir seu conselho. Imagine você, logo eu que vivo te perguntando as coisas! Mas desta vez não vai dar. Pra mim, cada pessoa tem um dom diferente: umas gostam de matemática, outras adoram trabalhar com vendas, outras preferem trabalhar sozinhas. Umas optam por viver sob as asas dos pais, outras querem ganhar o mundo. Vovô Gouvêa dizia sempre: existe muita qualidade de gente por aí.
Ouvindo você defender com tanto afinco sua vida de esposa-mãe-dona-de-casa, percebi que seus conselhos são muito bons, mas para quem pretende ter filhos e viver da mesada do marido. Não é meu caso, já que tenho carteira assinada e diplomas.
Ser esposa exemplar ou ter uma profissão não é mérito nem demérito, é apenas questão de escolhas. E há de se respeitá-las, pois toda escolha demanda consequências e cobra um preço. Você sabe disso. Eu também pago um preço por não ter sido uma esposa mais dedicada. É que aquilo não era pra mim e não consegui fingir mais do que três dias. Por mais que eu quisesse tentar, não dava pra esconder minhas frustrações. Eu sempre fui assim, minhas infelicidades sempre foram sardas em minha pele branca.
Ontem, mesmo que eu não falasse nada, você perceberia minha fisionomia de horror enquanto você provava, quase cientificamente, que o homem gosta de mulher submissa e fútil. Mulher que pensa, segundo sua teoria, dá trabalho demais e assusta os homens.
Amiga, tive uma vontade louca de te matar. Ou de me matar, porque, naquela hora, segundo sua teoria, tive certeza de que vou morrer sem nunca mais ouvir um homem dizer que me ama.
Em relação àquele comentário sobre mim, tenho uma correção a fazer: não preciso fazer de conta, deixar o homem achar que sou frágil. Sabe por quê? Porque sou mesmo a pessoa mais frágil do mundo. E se você fosse um dos homens com quem me relacionei, veria que isso assusta muito mais do a tendência a ser independente que já nasceu comigo. Você ficaria espantada em saber como minhas fragilidades e carências são infinitas. Curiosamente, elas não me fazem acreditar que minha felicidade está nas mãos do outro.
Não dá pra julgar nossas escolhas ou objetivos, por isso me sinto obrigada a repetir: TENHO IMENSO RESPEITO POR VOCÊ. Mesmo estando ainda meio atordoada por ver tanto machismo no seu estilo de vida, que eu considerava o melhor way of life do mundo.
Nunca, nem naquele momento extremamente delicado que passei uns cinco anos atrás, me envolvi com um cara só para falar “o meu namorado”. Não sei se isso é graças ao meu medo de homens machistas ou à terapia. Só sei que sempre evitei homens que preferiam meus peitos às minhas conversas. Claro que adoro que meu homem me ache gostosa, mas ele também tem que me admirar. Não viveria bem com um cara que pensasse que sou tão fragilzinha a ponto de não saber tomar decisões. Odeio quem me subestima.
Fico curiosa: você vive numa boa assim? Não lhe parece meio constrangedor saber que seu marido não confia no seu intelecto? E, mais importante, não rola uma dose de culpa por ser mais um dos itens com que ele precisa se preocupar?
Eu tenho um grande medo de ser um motivo a mais de preocupação para meu companheiro. Talvez fale sobre isso na terapia hoje à noite.
Outra correção a meu respeito: não estou por aí beijando várias bocas procurando o cara certo. Estou, sim, disponível para viver uma paixão. Acredite: eu procuro um grande amor. Marido já tive. 

(Texto originalmente publicado no Blog Mulherão)

segunda-feira, 3 de maio de 2021

PRINCESA TOMA RIVOTRIL?

Dei uma passada no analista, que também é psiquiatra e me dá a receitinha branca do antideprê e a azul, do rivotril.
Papo vai, papo vem, tomei coragem e falei: Dr., fiquei mal estes dias. E danei a falar da onda que me sufocou só porque eu desisti de brincar de ser feliz ao lado do cara que escolhi pra ser meu príncipe.
Geralmente, não falo exatamente o que me deixou triste, o que tá me afligindo, tento ser superficial, como quase tudo (e todos) por aí. É que falar da dor faz a maldita aumentar. Eu falo e fico pensando nas palavras e elas saem cortando o resto do coração que ainda tá intacto. Ou quase.
Mas já que comecei, continuei e falei tudo: fiquei mal pra cacete, até chorei. Era feriado e o mundo estava comemorando os dias de folga, só eu que fiquei em casa, nem telefone atendi. Tudo por causa dele e dessa mania de me apaixonar. E quanto mais eu pensava em como estava triste, deprimida e pedindo comida por telefone, pra não ter que encarar a realidade lá fora, mais eu ficava puta comigo mesma. No início tentei aquele blablablá: olhar tudo o que eu tenho, pensar em quem não tem nada, olhar as vítimas da enchente e dar graças a Deus por morar no 8o. andar... De vez em quando, isso melhora o astral. Mas desta não rolou. Além de deprimida eu me senti mega culpada por ter o armário cheinho de roupa bonita, ver o Cristo da janela e, mesmo assim, estar ali, letárgica, sem vontade nem de ver novela.
Falei tudo pro Doutor.
Falei que senti vontade de ter morrido no acidente, de não ter voltado da Europa e que tudo perdeu o sentido.
Ele só me olhava, balançava a cabeça de vez em quando e eu também, de vez em quando, perguntava: tá prestando atenção? Então para de fazer cara de quem não tá nem aí. Sofri pra cacete e você é meu médico, tem a obrigação de me ouvir e aumentar a dose do remédio pra eu dormir mais e acordar feliz.
Como é que é? Não vai aumentar? Você não sabe o que é perder um amor, sacar que ele não tá nem aí pra você. Aposto que nunca tomou um fora. Tomou nada. E homem liga pra isso? Homem dá o fora primeiro, só pra ter o gosto de ver a gente sofrer.
Anda, me dá logo essa receita que eu vou embora. Tô perdendo meu tempo. Ainda bem que o plano de saúde reembolsa o valor integral da consulta. Era só o que faltava: eu ter que pagar pra ver você nem ligando pros meus problemas. Não tô fazendo drama. Tô é sofrendo. E para de falar assim, tá parecendo um ex-namorado que dizia que eu sofro mais a dor do que o problema. Eu sofro porque dói. Eu chorei porque doeu. Não consigo ser forte o tempo todo, e por isso você tá aí: pra me ajudar. Mas não tá ajudando e ainda tá fazendo pouco caso.
Se ele não gostava de mim, por que não falou? Eu sei que ele nunca disse que gostava, mas pensei que era coisa de homem, essa babaquice de não querer demonstrar o sentimento e tal. Eu? Eu também não falei que gostava. Só uma vez. E ele fingiu que não escutou.
Tá louco? Claro que ele não sabe que eu tô aqui, ainda mais falando dele. Se ele já percebia que eu era meio maluca, saber que tenho um psiquiatra ia ser a comprovação.
Não! Nunca falei que vinha aqui. Dizia que era dermatologista, ginecologista. Deus me livre deixar ele saber que eu tomo antidepressivo. Ele era meu príncipe, eu tinha que ser a princesa dele. E onde já se viu princesa doida?
Por que eu não escrevi o que tava sentindo? Porque não rola esse tipo de assunto, sei lá, é muito pesado. O pessoal que me lê entra lá no blog pra rir das coisas engraçadas que eu escrevo e não pra ver coisa sofrida. Você tem cada uma... Quem é que vai ser fã de doida, que se tranca em casa por dor de cotovelo, que toma rivotril e vai pro psiquiatra?
Não! Eu escrevo coisa legal de ler, pra descontrair. Sobre o que eu escrevo? Sobre as bobeiras que me acontecem. Nada especial. Falo de como é difícil convencer os outros que eu tô bem sem namorado, falo de como é uma merda morar sozinha e não saber trocar uma torneira, essas coisas de mulher moderna, que vive se fodendo pra dar conta de tudo. Só isso.
Não, eu não falo da minha vida. Só um pouco. Claro que já dei bandeira e falei mais do que devia, mas nem a pau vou dar na pinta assim. Eles pensam que sou engraçada e não louca.
Quer saber? Vou embora porque você tá mudando o assunto, não quer aumentar a dose do remédio e vou acabar perdendo a novela. E também porque você é homem e nunca vai entender o que é isso que eu tô sentindo. Tô sentindo, não: senti. Senti! Já passou.
É, faz mais de um mês que aconteceu isso. Ai, só de lembrar que perdi um final de semana prolongado por causa disso... ai, que ódio.
Claro que eu botei a fila pra andar, não sou freira, né? A vida é assim, a gente perde aqui, ganha ali. Odeio quando você diz "o tempo cura tudo". Não cura. Tem noção do tempo que perdi sofrendo por ele? Ele, o ... o... Você sabe quem.
Doutor, só uma coisa, aqui entre nós: eu sou normal? Responde, cacete! Para de rir assim. Tô perguntando porque, de vez em quando, eu acho que sou tudo, menos normal. Uma criatura normal não faz um carnaval desses que eu fiz só por causa de um pé na bunda, né? Mas eu, eu, cara, eu transformo tudo numa novela mexicana. É por isso que te perguntei: sou normal?
Eu? Eu sei lá o que é ser normal. Certamente é algo beeeem diferente do que eu sou.
Como é que é? Ser normal é ser assim que nem eu?
Caramba, como tem gente doida por aí...