segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

O tempo é sua morada - Chico el Hombre


 

Um poema da Florbela Espanca - A nossa casa

 A nossa casa, Amor, a nossa casa!

Onde está ela, Amor, que não a vejo?
Na minha doida fantasia em brasa
Constrói-a, num instante, o meu desejo!

Onde está ela, Amor, a nossa casa,
O bem que neste mundo mais invejo?
O brando ninho aonde o nosso beijo
Será mais puro e doce que uma asa?

Sonho... que eu e tu, dois pobrezinhos,
Andamos de mãos dadas, nos caminhos
Duma terra de rosas, num jardim,

Num país de ilusão que nunca vi...
E que eu moro - tão bom! - dentro de ti
E tu, ó meu Amor, dentro de mim...

Foi lendo esse poema, na aula de Literatura Portuguesa I, que eu me dei conta de que havia me separado: onde está nossa casa, amor?
Professor começou a fazer a análise dos versos e as lágrimas começaram a cair.
Saí da sala de aula.
Ele foi atrás eu falei "Desculpa, professor, estou me separando e Florbela é demais para mim neste momento". Ele entendeu e combinou que me avisaria sempre com antecedência o poeta que ele iria trabalhar (e Florbela Espanca seria trabalhada naquele mês inteiro). Dependendo de o quanto ele me tocasse, eu não precisaria assistir a aula. E que não me preocupasse com as faltas.
Combinado.
Naquela noite de março, eu percebi que havia me separado. Não em janeiro, como oficialmente constam nos papéis, mas naquela noite de março de estudo da poeta portuguesa.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

UM POST SÓ PRA VOCÊ

 Em tempos de megaeventos, entretenimentos high tech, super produções, é bom experimentar passeio na rua histórica, com o dia chegando de mansinho, em silêncio.

Nesses dias em que só se fala de crise, faz bem conversar sobre cachoeira e pipas.
Faz bem sair de casa mesmo sem vontade, de vez em quando.

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Martha Medeiros - Um texto que podia ser meu

RECEBI ESTE TEXTO COMO SENDO DE AUTORIA DA MARTHA MEDEIROS. NÃO TIVE TEMPO DE PESQUISAR PRA SABER SE É MESMO DELA, MAS CAIU COMO UM LUVA PARA O DIA DE HOJE, QUE ESTOU FRÁGIL E VOCÊ FALOU COISAS QUE, DE CERTA FORMA ME MAGORAM. COMO DETESTO MÁGOAS OU MALES-ENTENDIDOS, PUBLIQUEI.
SE EXISTE UM TEXTO NESTE BLOG INTEIRINHO DEDICADO A UMA PESSOA, É ESTE. NÃO FOI ESCRITO POR MIM, MAS SINTO COMO SE FOSSE ESCRITO PRA MIM. DE MIM PRA VOCÊ. COM O CARINHO DE SEMPRE. SIM, CARINHO, AFETO E QUERER BEM NÃO SE DILUEM DE UMA HORA PRA OUTRA.

"Deixei a porta aberta e você entrou. Ou será que abri a porta justamente para você (só servia você) entrar, invadir ou chegar? Sua falta de jeito com a delicadeza era parecida com a minha e achei tão bonitinho isso. Nem grosso demais e nem polido demais, porque pisar em ovos é um saco.
Não te pedi nada, só que me tratasse bem. Até hoje não te cobro e nem peço nada que seja esquisito demais ou dê muito trabalho. Não grite comigo porque eu também sou pavio curto. Respeite minha preguiça matutina e eu entro no seu ritmo também preguiçoso. Conte suas novidades, faça massagens nos meus pés e não tenha medo de quem toma Rivotril pra dormir.
Virei presa fácil, barata até, você se esforçará pouco para me ter para sempre. Acredite quando eu digo que é melhor com você. Não duvide do que eu digo mas prometo que se a verdade for chata, feia e boba, eu escondo. Não me conte as suas tristezas porque eu também disfarço as minhas. Prometo segurar o choro, mas se ele vier, fica do meu lado, segura a minha mão. Tem hora, quem hoje, que eu só preciso que você segure na minha mão.
Não tente me agradar porque eu odeio gente boazinha. Seja mais inteligente do que os outros e diga as coisas de que gosto de ouvir. Vou te achar o máximo. Não se vista tão bem... gosto de camisa para fora da calça, gosto de braços, gosto de pernas e muito de pescoço. Leia, escolha seus próprios livros, releia-os. Odeie a mesmice, xingue a vida doméstica e também os agitos noturnos. Seja um pouco caseiro e um pouco da vida, não de boate que isto é coisa de gente triste. Não seja escravo da televisão, nem xiita contra. Nem escravo meu, nem filho meu, nem meu pai. Escolha um papel para você que ainda não tenha sido preenchido e o invente muitas vezes. Me enlouqueça não ligando de vez em quando. Mas me faça uma louca boa, uma louca que ache graça em tudo que rime com louca: loba, boba, rouca, boca ... Goste de música e de sexo. goste de um esporte não muito banal. Não invente de querer filhos, me carregar pra a missa, apresentar sua familia... isso a gente vê depois ... Nunca deixe eu dirigir o seu carro, diga que não confia, só pra eu ficar meia hora com raiva de você. Seja só um pouquinho canalha e olhe para outras mulheres, tenha amigos e digam muitas bobagens juntos.
Me trate como uma rameira, mas só quando estivermos deitados. No dia-a-dia fale palavras doces, principalmente hoje. Não me magoe com ironias porque não sou nem um pouco altruísta e posso sentir raiva por ter deixado a porta aberta."

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Um texto da Fernanda Young

A todos que não foram e não ligaram 

Bom, você não foi. E não ligou. A mim, só restou lamentar a sua falta de educação. Imaginando motivos possíveis. Será que você não foi porque realmente não pôde ou simplesmente não quis? Será que não ligou para não me magoar ou justamente o inverso disso?
Estou confusa, claro. Achava que você iria.
Tanto que eu aguardei sua chegada por mais minutos do que deveria, inventando desculpas esfarrapadas para mim mesma. O trânsito, o horário, a meteorologia. Qualquer pneu furado serviria. E até o último instante, juro, achei que você chegaria a qualquer momento. Pedindo perdão pelo terrível atraso. Perdão que você teria, junto com uma cara de quem está acostumada, e assim encerraríamos o assunto. Mas você não foi.
Esperei outro tanto pelo seu telefonema, com todas as esclarecedoras explicações. Para cada razão que houvesse, pensei numa excelente resposta. Para cada silêncio, um suspiro. Para cada sensatez de sua parte, uma loucura específica da minha.
Se você tivesse ligado do celular, eu seria fria. Se tivesse ligado do trabalho, seria levemente avoada. Se a ligação caísse, eu manteria a calma.
Foram muitos dias nessa tortura, então entenda que percorri todas as rotas de fuga. Cheguei a procurar notícias suas pelos jornais, pois só um obituário justificaria tamanha demora em uma ligação.
Enfim, por muito mais tempo do que desejaria, mantive na ponta da língua tudo o que eu devia te dizer, e tudo o que você merecia ouvir, e tudo. Mas você não ligou.
Mando esta carta, portanto, sem esperar resposta. Nem sequer espero mais por nada, em coisa alguma, nesta vida, para ser sincera. No que se refere a você, especialmente, porque o vazio do seu sumiço já me preenche; tenho nele um conforto que motivos não me trarão.
Não me responda, então, mesmo que deseje. Não quero um retorno; quis, um dia, uma ida. Que não aconteceu, assim deixemos para lá.
Estaria, entretanto, mentindo se não dissesse que, aqui dentro, ainda me corrói uma pequena curiosidade. Pois não é todo dia que uma pessoa não vai e não liga, é? As pessoas guardam esses grandes vacilos para momentos especiais, não guardam?
Então, eis a minha única curiosidade: você às vezes pensa nisso, como eu penso? Com um suave aperto no coração? Ou será que você apenas esqueceu de ir?