O escritor português António Lobo Antunes arrancou aplausos calorosos da plateia, no noite de sábado, em conversa com o jornalista brasileiro Humberto Werneck.
Um dos maiores ficcionistas da atualidade, o autor disse estar escrevendo em Paraty, relembrou suas raízes brasileiras, falou sobre os autores de que mais gosta (especialmente os brasileiros), definiu a arte de escrever como um trabalho “impossível”.
Ao comentar sua obsessão em corrigir seus textos à exaustão, decretou: “O escritor aspira à arte total”. O autor de Arquipélago da insônia e Meu nome é legião emocionou o público ao relembrar o avô, seu homônimo, que morou em Belém do Pará, a avó, para quem escrevia (e vendia) poemas religiosos, e o pai, que lia poesia brasileira, para ele e os irmãos, antes de eles dormirem. “O Brasil para mim não é um país. São cheiros, é a comida, maneiras de viver e falar. O Brasil é uma coisa íntima”.
Lobo Antunes rememorou as leituras dos autores brasileiros do século XIX: Machado de Assis, José de Alencar, Raul Pompeia, Aluízio Azevedo. “Foi onde mamei”, disse ele. O escritor relembrou a relação com Jorge Amado e com João Ubaldo Ribeiro. “Jorge era muito terno comigo, tinha uma relação filial. Me dizia: ‘Gosto de lamber meus filhotes’.”
A leitura de poesia, para o escritor, ensina mais que a prosa. “Li os grandes poetas brasileiros. Seus livros estavam em casa: Drummond, Cabral, Bandeira, Murilo Mendes, Jorge de Lima”. Para escrever bem é preciso cortar até osso, advérbios, adjetivos, que Cortazar chamava de “essas putas”. Sobre a arte de escrever, disse que o livro é um organismo vivo e que todo grande livro é “uma reflexão profunda sobre a arte de escrever”. “Quando entra em você, ele se faz sozinho, deixa as mãos felizes.” Disse que é preciso ir até as camadas mais profundas de todas as superfícies superpostas da consciência. “Por isso gosto de escrever por cansaço.”
E ainda deu receita para escrever, aludindo ao futebol brasileiro: é preciso cabeça, para criar, e mãos para corrigir. “A cabeça cria e a mão corrige. Para quem quer ser escritor, recomendo observar Garrincha jogando. É preciso ter a cabeça de um Didi e a habilidade de um Garrincha.” E, citando Fernando Pessoa, disse que muitas vezes o escritor recebe textos prontos: “O escritor é emissário de um rei desconhecido”.
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Por enquanto vou ler o que escreveu. Hoje li de cabo a rabo um artigo sobre tudo o que aconteceu em Parati. Mas deram muita enfase a Chico BUarque. Voce quer ver?
ResponderExcluirSaiu no jornal Estado de Minas.
Dizem que ele é ruim. Mas eu adoro este jornal que me acompanha a muitos anos.
se quiser lhe envio o artigo.
Com carinho Monica
Aline
ResponderExcluireu amo esse texto do Charles Kiefer, Bjos
"Control C, Control V"
Ninguém nasce escritor, torna-se escritor. E, às vezes, plagiando outros escritores. Como eu mesmo faço, neste instante, com a frase aí acima, surrupiada de Simone de Beauvoir, que afirmava que ninguém nascia mulher, tornava-se mulher.
Bem, mas a frase inicial de meu texto não é um plágio, ou é apenas um plágio parcial. A estes, chamamos de pastichos, releituras, paráfrases. E eles são muito bem-vindos na área da literatura. São até um índice de pós-modernidade.
E o plágio-plágio, o que seria? Aquilo que fez Paulo Coelho, denunciado por Moacyr Scliar? O mago publicou um conto de Franz Kafka como sendo dele, Coelho. Scliar não teve dúvida: publicou em fac-símile os dois textos, revelando a fraude. Ou o que fez Shakespeare, que escreveu apenas 1.899 versos dos 6.043 que são tidos como seus?
Shakespeare não teve nenhum pudor em plagiar Robert Greene, Marlowe, Lodge, Peele, entre outros. E nem por isso o achincalhamos. Certo, temos uma confortável explicação sociológica: ao tempo do Bardo, o plágio não era crime, pois não havia ainda a noção de propriedade intelectual, surgida com as leis de copyright. Plagiar, então, era uma homenagem, um gesto de gratidão. Significava: gostei tanto do que escreveste que o tomei para mim.
Mas os tempos mudaram. Hoje, Shakespeare seria processado e certamente pagaria pesadas indenizações.
Às vezes, apanho meus alunos de Escrita Criativa com a mão na massa. Aliás, com a mão no texto (alheio)! São jovens, estão açodados pelo excesso de atividades acadêmicas, vivem num mundo que lhes facilita o cut and paste. E supõem, ingenuamente, que eu não vá perceber. Aí, aproveito para lhes dar uma aula sobre o assunto, com noções básicas sobre a Convenção de Genebra, a de Paris, a Lei Brasileira de Direito Autoral. Mostro-lhes o Código Penal, a Constituição.
Neste semestre, uma aluna apresentou-me contos suspeitos, excessivamente bem construídos, com extraordinário equilíbrio entre meios expressivos e procedimentos construtivos. No primeiro, concedi-lhe a presunção de inocência. Talvez, na prova escrita, em sala de aula, ela estivesse indisposta, e depois, em casa, visitada pelas musas, fosse capaz de gerar grandes e poderosos textos. Nunca se sabe. Já tive alunos que saíram do nada literário e se converteram em bons romancistas. Evidente que não em menos de dois meses, como era o caso.
No terceiro trabalho, produzido em aula, a aluna não manifestou, mais uma vez, grande talento. No entanto, o quarto conto, feito em casa, foi uma revelação. A voz narrativa era de escritor português, provavelmente do início do século XX. Como atento leitor que sou, destaquei várias expressões portuguesas típicas utilizadas no conto. Em aula, depois, perguntei para a suposta autora o significado daqueles sintagmas. Não sabia, afirmou ela, publicamente. Diante de meu espanto (como alguém podia escrever coisas que não sabia o que eram?), ouvi uma explicação muito criativa: ela confessava, ao professor e aos trinta colegas, que incorporava espíritos! No primeiro conto suspeito, fora visitada por um escritor francês do século XIX; e, no segundo, por um escritor português!
Pelo que sei, médiuns não assinam os seus próprios nomes nas obras que psicografam. Nelas, vai consignado o nome do autor que vive na outra dimensão.
Assim, quando a aluna reclamou de receber apenas metade da nota, informei-lhe que eu estava encaminhando a outra metade aos espíritos do francês e do português.