Hei, Príncipe! Hei, você mesmo! Olha pra cá. Sou eu!
Não tá me reconhecendo? Olha, tudo bem: sei que não tenho olhar frágil, nem uso laço de fita no cabelo, nem tenho o andar suave, mas sou eu, acredita.
Me tira daqui. Me salva desse castelo assombrado. Só você pode me salvar.
Ok, sei que fui eu mesma quem construiu esta torre inalcançável pra ficar isolada, mas agora eu quero descer. Olha pra cá que eu tô falando com você.
Eu sei que foi burrice envenenar minha própria maçã e por isso mereço dormir este sono de 100 anos, mas seu beijo pode me despertar. Só seu beijo.
Puxa! O que custa você acreditar em mim? O fato de eu não usar sapatinho de cristal não quer dizer que deva ser condenada a ficar à mercê de dragões malvados. Olha, não é fácil usar sapatinhos de cristais. Principalmente quando se calça 39. Mas, vai por mim: sou eu mesma. Sua Princesa.
Para. Não precisa jogar na cara que não tenho absolutamente nada de Princesa, já sei disso há muito, muito tempo. E, pra seu governo, vivi muito bem até agora assim. Ser Princesa é muito desgastante quando se tem que ganhar o próprio salário, pagar mil contas e tudo o mais. Sim, rapazinho, eu mato um dragão por dia. Mesmo assim eu preciso que você me salve.
Me tira daqui, cara. Já tô perdendo a paciência e esse lance de ficar suplicando não faz minha cabeça. Além do mais, se eu precisar insistir muito vou acabar me convencendo de que é mentira essa estória de ter meu próprio Príncipe. Quebra meu galho e me tira daqui.
Me salva desse mar de lama, onde tem um monte de sapo que só serve pra uma noite e também pra me sentir culpada. Olha, embarquei nessa de ser salva pelo Príncipe porque me falaram maravilhas sobre você e seus nobres colegas. Adorei aquela parte do “Felizes para sempre”. Agora você tem de colaborar. Pra te falar a verdade, eu até que me dou bem com alguns dos sapos deste imenso brejo que cerca minha vida, por isso mantenho o telefone deles na minha agenda. Eletrônica. Afinal, sou uma Princesa (sou?) moderna.
Ai, ai, ai. Como é? Vai ficar aí parado enquanto eu vejo todas as outras Princesas se dando bem? Vai fingir que não é com você que eu tô falando, enquanto vejo daqui de cima o Grande Baile cheio de casaizinhos dançando lindamente? Pô! Que sacanagem.
Bateu uma dúvida agora. Responde aí: você tem várias Princesas ao longo da vida ou será que existe uma Princesinha feita sob medida pra você? Tô perguntando isso porque eu já descobri que na minha vida só existe um Príncipe (você!), por isso os outros têm cara (alguns têm, inclusive, caráter) de sapo. Olha só, raciocina comigo: se você tem sua Princesa-metade (e obviamente sou eu) como você sai por aí beijando todas as outras? Ah, deixa disso: não tô com ciúmes. É curiosidade. Será que você não se sente perdido também? Será que não te dá aquela sensação de que seu pedaço de bolo veio sem recheio, ou que seu Sundae tem menos calda de chocolate? Sim, porque é exatamente isso o que eu sinto: na minha caixa sempre falta um bombom. Meu biscoito tem menos cobertura. É assim que eu sinto o mundo.
Mentira! Não sinto o mundo todo assim, só o que diz respeito a beijos e aquelas outras coisas tão gostosas quanto bombom ou sorvete. Sinto que falta o melhor, falta o complemento. Por isso os classifiquei de sapos. E você, que me fará sentir finalmente o gostinho daquilo que tava faltando, eu chamo de Príncipe.
Vai continuar ai, né? Já entendi: se eu quiser descer daqui dessa torre gelada, que eu desça com meus pés. Até que você tem razão: fui eu que subi sozinha. Mas, puxa vida, custa me ajudar?
Ah! Quer saber de uma coisa? Agora quem não quer que você me salve, sou eu, tá legal? Fica aí, assiste seu futebol, toma sua cerveja que eu me arrumo. Já fiz coisas muito mais difícil do que despertar de sono de 100 anos. Não preciso de beijo de ninguém.
Eu só queria saber porque você não quis me salvar. Será que laço no cabelo é fundamental? Princesa de cabelo curto pintado de vermelho não tem chances de ser salva? Ou será que a tal aparência frágil e indefesa é que é fundamental? Mulher que sabe descer de torre sozinha tem mais é que ficar com sapo. É isso? Tenho de ser mais calminha, mais passiva e viver à sua sombra? É isso que, no fundo, esperam da gente.
Príncipe, eu queria de verdade que você me salvasse de todos aqueles feitiços, dragões e sapos horríveis. Queria mesmo. Mas se o preço a pagar é perder minha identidade e ser do jeito que dizem que eu tenho de ser; é me comportar como boa moça e só fazer o que me permitem, bem, se o preço é este, lamento informá-lo, mas eu tô fora!