domingo, 24 de maio de 2015

Sobre olhares, saudades e meu velho

Esta é uma das fotos mais bonitas que já fiz: o registro da troca de olhares entre neta e avô. Neta que já era apaixonada sem ao menos ter idade para entender o que é amar. Avô que revivia, através das netas, a infância feliz que proporcionou às filhas com o incrível amor que sempre sentiu e demonstrou por elas.

Esse aí é meu pai: calado, cúmplice, afetuoso. Essa bebê é a Liv. Mas podia ser a Gi, a Lara, minha mãe ou eu... porque era desse jeito que ele, enxergando pouco, olhava para nós, as mulheres da sua vida. 


Sob seu olhar, aprendi a fazer embaixadinha, amar o Flamengo e pilotar motos. Nossos domingos eram de música "de velho": Althemar Dutra, Roberto Carlos, Luis Ayrão e Julio Iglesias. Quando ele colocava Nelson Gonçalves, eu saía de perto porque "Naquela Mesa" me fazia chorar: eu sempre tive medo de meu pai morrer. 


Em nossa despedida, cantei baixinho em seu ouvido a música "Meu querido, meu velho, meu amigo". Sempre que tocava essa música, a gente parava o que estava fazendo e dançava na sala. Fizemos isso tantas vezes e a última foi em fevereiro, uns 20 dias antes de tudo acontecer: 
Eu já te falei de tudo/ Mas tudo isso é pouco/ Diante do que sinto...

Ele gostava que eu o chamasse assim: meu velho. Claro que o "paiê" era campeão, mas se eu o quisesse deixar todo bobo, era só falar "Ô, meu velho!"


É, meu velho, que porra foi essa que aconteceu com nossa família? (Ih! Essa era a hora que ele me olhava torto: quando eu falava palavrão).Fomos devastados por um Tsunami emocional. Puta que pariu, como eu sinto sua falta! Como eu tenho sofrido de saudade. 


Pela primeira vez na vida, conheci a solidão. Você me fazia companhia mesmo quando estávamos longe: bastava um telefonema para ouvir "filha, estava pensando em você". 

Ainda evitamos, aqui em casa, falar muito sobre o acidente, mas quando é inevitável, digo que você está em paz, que D´us sabe o que faz e aquele monte de blá blá blá que se tornou meu discurso-armadura. Repito esse discurso várias vezes ao dia - não sei se é para me convencer ou para não chorar na frente deles. Temos feito isso direto: ninguém chora na frente do outro, que é pra não fazer o outro sofrer ainda mais. Acho que aprendemos isso com você: camuflar a dor.  

Pai, eu sei que a vida estava difícil para você: sua vista, os tios Betinho e Claudinho... Mas lembra de um cartão antigo no qual escrevi 
"Se mil vidas eu tivesse, mil vidas eu daria"?, então,pai, se eu pudesse, sofreria todas as suas dores, só para ver você sorrindo.   

Sua ausência parece queimadura na pele. Tenho dificuldade em olhar para a frente e lembrar que agora estou num mundo que não tem você. É estranho não ser mais filha - eu não estava preparada para virar adulta. Mas eu sou teimosa e vou ser sempre, sempre, sempre, a sua filhinha. Sua filhinha amada e queridinha. Seu colo ainda é meu lugar preferido. E toda vez que o mundo estiver muito complicado, vou lembrar de seu olhar, que diz tanto.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

O meu pai


Há 1 mês o grande amor da minha vida foi embora deste mundo físico. Faz 30 dias que minha vida está de ponta cabeça e quase nada mais faz sentido. Incluindo minhas emoções - precisei deixar grande parte de minhas emoções de lado e deixei de sentir muita coisa. Para minha sobrevivência, preciso não sentir tanto. 




Ê que eu sou feita de sentimentos e sentir tanto como eu sempre sinto me levaria à loucura.

Também sou feita de ossos e Cléber; de órgãos e Cléber; de células e Cléber e, como já falei, sou sentimentos e ... Cléber. Assim, de cara, sou capaz de apostar que jamais serei inteira novamente.

Mas por tanto amor que dele recebi, estou de pé ajudando na recuperação de minha irmã e de meu cunhado e dando força à minha mãe e minhas sobrinhas.

Ele foi o melhor pai do mundo. Eu fui a melhor filha para ele. Fui a filha sob medida par um pai como ele: jamais dei motivo de preocupação, dizia sempre "eu te amo, velho" e não houve uma única pendência entre nós dois. Fomos pai e filha, no mais belo e profundo significado desta relação.






Não sei o que será de mim nem a longo nem a curto prazo, mas de uma coisa eu tenho convicção: todo mundo merecia ter um pai como o meu velho.

domingo, 8 de março de 2015

Feliz dia da mulher sem rótulos

Acho um desrespeito essa divisão de "times" que nos cobram. Temos de escolher um lado: ou ser "mulherzinha", que é como chamam as mulheres que optam por cuidar da casa, do marido e dos filhos, ou ser "mulher independente", que são aquelas que optam por trabalhar fora, não ter filhos ou até não se casarem.

Será que não dá pra respeitar a opção? Será que não dá pra pensar que ser uma coisa ou outra é questão de dom, de perfil, de escolha?

Trabalho desde cedo, pretendo estudar muito mais do que já estudei, já casei, já separei, adoro viajar sozinha, não quero filhos mas pretendo viver grandes amores. Quando me apaixono sou "mulherzinha": cuido do meu homem com muito carinho. Nem por isso deixo de ser eu. Sou feliz do meu jeito. Tão feliz quanto minha amiga que não teve oportunidade de nem ao menos conhecer a Ilha de Paquetá. Mas que é feliz da vida porque tem filhos lindos, bem cuidados. Perfis diferentes, noções diferentes do que é a felicidade.

Viva a mulher que escolheu cuidar da casa! Viva a mulher que prefere viajar sozinha pela Europa.
Viva a mulher que escolheu ser feliz.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Sushi

Meu carnaval!

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Para você, que me tira do eixo, somente um poeta que me desestabiliza

Eu amo-te sem saber como, 
ou quando, ou a partir de onde.
Eu simplesmente amo-te, 
sem problemas ou orgulho:
amo-te desta maneira porque não conheço
qualquer outra forma de amar sem ser esta, 
onde não existe eu ou tu, 
Tão intimamente 
que a tua mão sobre o meu peito é a minha mão,
tão intimamente que quando adormeço os teus olhos fecham-se.

Pablo Neruda

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Mar Sonoro - Sophia de Mello Breyner Andresen


O seu baseado

Aquele baseadinho que você fumou, bem despretensiosamente, ajudou a comprar a arma que matou o Marco.


segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Odoiá, Yemanjá

             Ela mora no mar
             Ela brinca na areia
             No balanço das ondas
             A paz ela semeia.

Obrigada, Yemanjá!




domingo, 1 de fevereiro de 2015

A Bunda da Paolla Oliveira e a Mulher Insegura


Qualquer ser humano que não esteve em coma esta semana ouviu (os mais sortudos viram) a repercussão da cena da bunda da Paolla Oliveira. Não foi mais uma bunda na TV. Não foi só uma bunda na TV. Foi a bunda mais deslumbrante que já se viu na TV. Foi espetacular, um evento. Eu adorei. A torcida do Flamengo também. Aliás, quem não gostou? Bem, houve, sim, gente que torceu o nariz. Sei disso por causa da minha "pesquisa informal" (um nome bonitinho que dei à mania de prestar atenção à conversa dos outros. Acontece geralmente assim: no restaurante ou no ônibus, por exemplo, abro um livro e finjo estar concentrada, mas estou mesmo é ouvindo conversas e confissões alheias. Um monte de gente faz isso. Uns se assumem fofoqueiros, outros - meu caso - dizem que estão observando o comportamento. A diferença é o que fazem com a informação. Os fofoqueiros espalham os segredos; eu, muitas vezes, escrevo sobre. Por isso, se eu fosse você, não levaria tão a sério tudo o que conto aqui em 1a pessoa: nem tudo é sobre mim). Voltando: segundo minha pesquisa informal, inúmeras mulheres não gostaram nadinha da tal cena. E mais: quase metade das descontentes é feia.


Para uma Mulher Feia, aquele "derrière" na telinha foi um tapa na cara. Compreensível: já não basta a coitada ser feia, ainda precisam mostrar, em cadeia nacional, o que é lindo?! Eu ficaria irada, se feia fosse.


Outras tantas são mulheres machistas. Dessas eu não falo. São amargas demais, detestam os homens demais e se permitem prazeres de menos.


O restante do grupo que de-tes-tou ver tanta beleza numa única bunda é composto por mulher insegura ela. Os comentários da Mulher Insegura são, em suma, estes:


a) Foi a luz que favoreceu;

b) Mas ela tem celulite que eu vi, eu vi!;

c) Agora entendi porque ela está na Globo;

d) Só pode ser Photoshop;

d) Homem é tudo bobo mesmo, não pode ver uma bunda.

A Mulher Insegura não conseguiu dormir aquela noite. A visão de uma Bunda (você há de concorda que aquela lá merece ser um substantivo próprio, merece uma letra maiúscula) redonda na medida certa, no tamanho exato, tão perfeita que parecia milimetricamente desenhada e -fantasia das fantasias - coberta/descoberta por uma calcinha mínima mexeu muito com a auto-estima da Mulher Insegura. No dia seguinte, ela dobrou as séries para o bumbum na academia. Malhou furiosamente, pediu aos deuses para serem justos e fazerem valer cada pingo de suor.Desde terça-feira passada a Mulher Insegura tem como objetivo de vida ter aquela Bunda.

Ao contrário da Mulher Feia, a Mulher Insegura ainda vai ficar muito mal, péssima mesmo, enquanto falarem da bunda da Paolla Oliveira. É que a Mulher Feia já está acostumada, resignada, a ser feia. E por isso aprendeu, ao longo da vida, a valorizar algo em si mesma que não seja tão horrendo. Nos casos de feiura extrema, todos sabemos, há ainda a opção de se destacar pelo humor, pelo intelecto.

A Mulher Insegura, não. Para ela, ser bonitinha, charmosinha, não vale: ela precisa ser linda. A Mulher Insegura, aliás, nem é feia. E sabe disso: ela olha para o espelho e vê um corpo bonito, um rosto bem feito, os cabelos bem cuidados. O problema é que ela precisa que o namorado/ marido também a ache linda. Precisa que a amiga a ache linda. Que a irmã, a vizinha, a mãe, o ex, a atual do ex (bem, esta principalmente) a achem linda.

Mas ela sabe que depois de verem a bunda da Paolla Oliveira, ninguém nunca mais vai achá-la, ao menos, bonitinha. E sem a aprovação do outro, a Mulher Insegura vale o quê?

E, ciente de tão pouco valor físico, acaba desprezando também seus outros atributos: não é culta o suficiente; não fez todas as viagens que planejou; seu emprego é sem graça. A Mulher Insegura é, sem dúvida, a derrota em pessoa. 

Mas ela é persistente: dobrou sua série na academia e vai - ela tem fé! - ter uma bunda igualzinha àquela que você viu na TV e ficou babando. Afinal, ela não tinha cintura e a lipoaspiração resolveu isso. Não tinha peito mas o silicone resolveu isso. Não tinha cabelo liso e a escova progressiva resolveu isso. 

A Mulher Insegura não desiste e corre atrás de seu sonho: se tornar igualzinha àquelas tantas mulheres das capas de revista, tão diferentes do que ela é. 



sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

O mundo está ficando esquisito

Esta semana fui à abertura da exposição do Kandinsky, "Tudo começa num ponto" (recomendo!) no CCBB e fiquei impressionada com a quantidade de fotos que muitos faziam.
Era um tal de parar em frente a um quadro, dar uma olhadinha para o lado (para certificar-se de que o segurança não olhava) e ... "clique!", partir para a outra obra, "clique!". A maioria não apreciava o que via, sequer se dava ao trabalho de ler as informações: urgia clicar e publicar nos feissibruquis e enstagrans da vida (digital, é claro, porque esta é que conta).

Como cada um faz o que quer da vida, me restringi a comentar com minha amiga o quão esquisito o mundo está se tornando: mostrar aos zilhões de amigos que se foi a uma exposição é muito mais importante do que apreciar o valor (cultural ou emocional) de uma obra de arte. Mas não resisti e dei boas gargalhadas com a ignorância desse pessoalzinho.





A exposição de Kandinsky fica no CCBB do Rio até 28/03.


terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Chá de sumiço - Marian Keyes

Quando eu crescer quero ser a Marian Keyes e ponto final.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Bons amigos de 2014

  1. A força - Ian Mecler
  2. A mulher que não queria acreditar - Fernanda Takai
  3. A vida financeira dos poetas - Jess Walter
  4. Aqui, agora - Ian Mecler
  5. Chá de sumiço - Maryan Keyes
  6. Cheio de charme - Maryan Keyes
  7. Fim - Fernanda Torres 
  8. O místico - Ian Mecler
  9. Por que como tanto, doutor? - Alfredo Halpern
  10. Tecendo poesias - Marina Gouvêa    (sim, ela: tia Marina!)



Livros que reli em 2014

  1. A cabana - Willian Young
  2. A grande próxima sensação
  3. À espera do sol - Michael Greenberg 
  4. A verdade da Tropa - Mario Sérgio Duarte 
  5. Bridget Jhones: No limite da razão - Helen Fielding
  6. Budapeste - Chico Buarque 
  7. Comer, Amar, Rezar - Elizabeth Gilbert
  8. Confie em mim - Harlen Coben
  9. Coração Andarilho - Nélida Pinon 
  10. Delírios de Consumo de Becky Bloom
  11. Doidas e santas - Martha Medeiros
  12. Foi apenas um sonho - Richards Yates
  13. Leite derramado - Chico Buarque 
  14. Lembra de mim? Sophie Kinsela 
  15. Meu caminho - Adriana Bragança
  16. Mulheres, por que será que elas...? - Leila Ferreira
  17. Ninguém é de ninguém - Zíbia Gaspareto
  18. Nunca subestime uma mulherzinha - Fernanda Takai
  19. O diário de Bridget Jhones - Helen Fielding
  20. O convidado surpresa - Gregoire Bouillier 
  21. O clube das chocólatras - Carole Mathews
  22. Pessoas como nós - Margarida Rebelo Pinto 
  23. Vencendo o passado - Zíbia Gaspareto
  24. Trem Bala - Martha Medeiros

sábado, 20 de dezembro de 2014

IRMÃ MAIS VELHA PRA QUÊ?

Geralmente as meninas têm vontade de ter uma irmã mais velha, aquela que elas acham mais bonita do que qualquer outra, aquela em que elas se espelham, a quem admiram e que, geralmente, são as mais populares no colégio. Eu só tenho uma irmã mais nova e nunca senti falta de uma mais velha. Afinal, eu tenho uma PRIMA MAIS VELHA, que sempre foi a mais linda de todas as meninas, meu exemplo de garota legal, descolada, de quem eu queria ser quando crescer, que sempre foi popular. E a quem eu sempre desejei muita felicidade. Hoje é aniversário dela e só me vem uma frase à cabeça : Guízela, TODO AMOR QUE HOUVER NESSA VIDA.

sábado, 13 de dezembro de 2014

A queda Ou: o que aprendi com uma cicatriz


Há exatos 10 anos, tive um dia como tantos outros: trabalhei, paguei contas, li o jornal, vi uns roteiros de viagem, mandei beijo para o namorado, falei com um ou outro amigo. Os dias, por mais que a gente não perceba, são quase sempre quase iguais. 
Na saída do trabalho, dei alguns "até amanhã" para quem estava perto e segui para a academia. De moto, uma grande paixão.

Os dias, porém, por mais que pareçam ser sempre iguais, vez ou outra mudam um pouco. Sim, Drummond estava certo: existem pedras no meio do caminho. 
Naquele dia, no meio do meu caminho apareceu uma pedra e não deu tempo de desviar. Sofri um acidente com minha moto, uma Tornado (pra quem não sabe, é uma moto bem pesadinha, viu?), me estatelei na Av. Epitácio Pessoa, na Lagoa. Beijo no asfalto. Numa hora dessas, não há o menor clima para poesia e o que me veio à cabeça foi um sonoro "puta que pariu!".

Os bombeiros chegaram bem rápido e foram muito atenciosos: dentro da ambulância, percebendo que eu chorava de dor, um deles segurou minha mão e disse que tudo ia ficar bem. Fui levada ao Hospital Miguel Couto (em acidentes de trânsito, o primeiro atendimento deve ser em um hospital público. Vai entender). Antes, porém, liguei para dois "anjos da guarda": um grande amigo policial (é que a PM apareceu pra fazer o registro e achei melhor me orientar com um policial de confiança) e o ex marido, que foi imediatamente me dar assistência.


No dia seguinte fui a um hospital "de verdade", um particular onde fui bem atendida. O prognóstico médico, porém, não foi dos mais agradáveis: pelo menos 3 meses de molho. Quando ouvi isso, me bateu uma ansiedade, um medo de este tempo se arrastar e uma sensação de que eu ia perder um tempão da minha vida até ficar boa de novo. Passaria Natal, Reveillon, meu aniversário e Carnaval em casa, de perninha pra cima. Levando em conta que neste meu amado Rio, o Verão só é agradável pra quem gosta de sofrer, saquei logo que aquelas férias forçadas não seriam muito agradáveis.

Felizmente minha mãe me ensinou que "tudo acontece com todo mundo". Cresci ouvindo isso dela - que perdeu a mãe aos 15 anos mas nunca se fez de coitadinha, nunca reclamou da vida. Ela conta que chegou do cemitério e falou "Pai, vamos chorar tudo hoje porque amanhã a gente tem de voltar a viver". Quando ouvi isso pela primeira vez falei "Mãe, você não sofreu? Retomou a vida assim, tão fácil?". Sua resposta foi uma lição que trago como uma das verdades mais absolutas do mundo: Filha, mamãe já tinha morrido e eu não podia fazer mais nada por ela. Não ia adiantar sentar e chorar. Papai estava devastado, suas tias - elas tinham 13 e 16 anos - então, nem se fala. Alguém tinha de reagir. Se eu me entregasse, o sofrimento ia durar para sempre". Em vez de amaldiçoar a vida e se achar uma pobrezinha órfã, ela escolheu viver, cuidar dela mesma e, principalmente, do Vovô Gouvêa e das minhas tias.

Cheguei em casa e combinei duas coisas comigo mesma: a 1a foi não fazer aquela clássica pergunta "Por que eu?". Já que "tudo acontece com todo mundo", não fazia sentido eu bancar a vítima, reclamar e sofrer. Sem contar que entendo que quando perguntamos coisas do tipo "logo comigo?" é como se falássemos "Pô! Sou tão boazinha, é injusto! Aquele fulano, sim, merecia um acidente desses". É uma baita falta de humildade. 

A 2a decisão foi fazer que nem naqueles programas tipo AA: "SÓ POR HOJE" e assim não ficar fazendo uma contagem regressiva para o dia que voltaria a andar sem muletas e pudesse levar minha vida normalmente.

Essas duas posturas me deram uma serenidade danada (e vou contar uma coisa pra vocês: serenidade é uma coisa que experimentei pouquíssimas vezes na vida) e me ajudaram bastante. 


Minha condição de "dodói" me trouxe várias descobertas. Vi que eu dependo, sim, de muita gente: pra tomar banho, pra levantar da cama, pra me levar ao médico. Eu, que sempre tentei fazer tudo sozinha, tive de acionar várias pessoas para me ajudar nas tarefas mais simples, desde fazer um curativo na imensa ferida que o asfalto quente abriu, até comprar um chocolate quando a vontade batia.


Eu, recebendo o carinho da minha linda e amada sobrinha Mariana.
Os primeiros pedidos de ajuda foram difíceis de fazer. E foi um soco no estômago descobrir na terapia que isso se devia ao fato de eu ser muito controladora e achar que não precisava de ajuda pra nada. Aliás, minha prepotência me fazia acreditar que o outros é que precisavam de minha ajuda. Eu? Ah, eu era boa o suficiente para dar conta de mim e de todos os outros. O acidente me mostrou que não é bem assim. Foi bom aprender a pedir colo, principalmente à minha família e aos amigos próximos. 

Outro grande aprendizado foi perceber que a mesma pessoa que te fez um dia sofrer muito pode ser aquela que te dá a mão numa hora extrema. Não dá pra definir o caráter de uma pessoa ou o seu sentimento por ela (e o dela por você) em situações isoladas, é preciso nunca se esquecer do contexto. Há pessoas que são seu céu e seu inferno. E isso é uma constatação, não um sentimento.


Fiquei emocionada algumas vezes quando o telefone tocava e era um colega de trabalho que nem era tão íntimo meu e, mesmo assim, se colocava à disposição para uma possível ajuda. Da mesma forma, alguns que eu julgava serem companheiros, não se deram ao trabalho de saber como eu estava. Ótima oportunidade para reciclar as amizades. 

Durante o longo tempo que fiquei afastada daquilo que julgava ser a vida real (a mesma vida que eu achava que estaria deixando de viver enquanto me recuperava) percebi que vida é vida. Esteja eu trabalhando, doente em casa ou de mal com o mundo. As coisas não param e sou eu quem devo me adaptar ao ritmo desta dança. As coisas continuam, esteja eu lá ou não.

Meses depois, voltei a trabalhar, ainda com alguma dificuldade para andar e tinha sempre alguém para me ajudar. Achava tão fofo receber este tipo de carinho. 


Uma pessoa me perguntou se era muito difícil me olhar no espelho e ver minha perna "deformada": enquanto a esquerda estava grossa e malhada, a direita estava fina, sem firmeza, com uma cicatriz berrante, feia mesmo. Respondi apenas "Dá para andar, então estou no lucro". 

Quando você passa pelo que eu passei, fica caída numa autopista tão movimentada em pleno horário de "rush", é socorrida por bombeiros, se depara com a emergência de um hospital público, ah, meu filho, quando você passa por isso, começa a olhar a vida com olhos menos críticos, as prioridades mudam.

Um dia, na terapia, concluí que aquele acidente era meu, era eu quem devia passar por tanta privação, dor. E, principalmente, que cabia somente a mim a decisão de ficar meses de repouso apenas ou refletir sobre minhas condutas, minhas prioridades e, sobretudo, sobre a fragilidade da vida.

Hoje, as pernas já estão com a mesma medida, ando normalmente e tenho uma pequena cicatriz no joelho. O engraçado é que sou super vaidosa, tenho mil cremes, adoro uma novidade da cosmética mas NUNCA, nunquinha, usei creme algum para tirar esta marca. Gosto de olhar para ela porque me faz lembrar o quanto fui forte.

Tombos, por mais violentos que sejam, não vencem os fortes, os decididos. De lá pra cá, já levei outros vários tombos. Alguns deles me pareciam ser o derradeiro. Que nada! De um jeito ou de outro, acabei me levantando.


Por tudo isso adoro cada uma das cicatrizes que trago - no corpo ou na alma.


OBS: Este texto foi publicado originalmente em 13/12/2008.