quarta-feira, 19 de setembro de 2012

SOLTEIRO, SEDENTÁRIO E HUMILHADO NO RIO DE JANEIRO


UM TEXTO DO XICO SÁ

Nada mais humilhante para um boêmio sedentário ou semi-sedentário do que acordar no Rio de Janeiro.
É abrir a janela, com aquela amada ressaquinha tão familiar e íntima, e quase ter um infarto de tanto ver os cariocas se bulirem.
O abdominal, assim como a vírgula, não nasceu para humilhar ninguém, amigo, mas confesso que me faz um mal tremendo ver essa gente sarada mostrando seu valor.
Ô brava gente que não para quieta.
Parece que a cidade toda está chacoalhando o esqueleto.
Que saúde. Que hora esse povo dormiu?, minha linda e enxuta sexagenária que passa aqui abaixo da janela a mil por hora!
A esta altura somente este cronista, o ator Otávio Augusto e o Jorge Kajuru, que sempre me dão a honra de um pileque na Cobal do Humaitá, estamos parados, paradíssimos, contemplando a academia de ginástica a céu aberto.
Uns pedalam, outros puxam ferro, minha gostosa Tereza, bote gostosa nisso, já se encontra no Arpoador a essa altura, até o Cristo faz exercícios para o endurecer o eternamente exposto “músculo do tchauzinho”.
Uma beleza.
Será que o Zeca Pagodinho também tá nessa?
O Chico Buarque vai passar daqui a pouco. Mas não exageremos. Só lá pelas 11, 11 e tanto. O poeta cuida das melopeias e do corpinho.
O aterro do Flamengo está repleto de gente saudável, Botafogo idem, em volta da Lagoa nem se fala, em Ipanena gatinhas jogam futevôlei, no  Leblon até os rosados bebês fazem alongamento para o encanto das belas mamães saídas da costela do novelista Manoel Carlos.
Deixa quieto.
A situação me faz lembrar aquela diálogo de Vinícius de Moraes e o genial Antônio Maria –“ninguém me ama, ninguém me quer…”- na saída de uma boate de Copacabana, lá pelas seis da manhã, óbvio.
Saem do inferninho e testemunham um grupo de homens, homens maduros, fazendo ginástica na praia. “Lamentável”, dizem, em uníssono.
— Vamos fazer um pacto, sugeriu Maria, em tom grave.
— Juramos neste momento que jamais participaremos de uma calhordice como a desses sujeitos. Jamais faremos qualquer esforço físico desnecessário. Topa?
Firmam o pacto e gritam, às gargalhadas, para os tiozinhos:
— Seus calhordas! Seus calhordas!
É o que li no ótimo “Um Homem chamado Maria” (Ed.Objetiva), de Joaquim Ferreira dos Santos .
Em tempos mais corretos e saudáveis, confesso, covardemente, não tenho coragem de repetir esse grito de independência.
Sofro calado a humilhação dessa gente toda que se bole, se mexe. Dou toda força, amigos cariocas, até sinto uma certa inveja por não conseguir tal gana apolínea. Parece que não nasci mesmo para morrer com tanta saúde.

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